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Opinião | Em favor da decência | Kauã Barreto

08 março 2024 - 10h59Por Redação

Pode muitas vezes parecer que não, mas existe jornalismo sério nesse país. A preguiça mental de alguns e a desonestidade intelectual de muitos — quando não a hipocrisia — , educados segundo os algoritmos e as tão ditas bolhas, cujos conteúdos propendem só para aquilo de que gostam e concordam, é que o desvaloriza e, pior, deixa diminuta a quantidade de gente que lê, pensa, se informa, questiona e discorda. Adquiri enfim uma mínima soberania das ideias. Aqueles que não bajulam ideologias nem ninguém, tampouco políticos, partidos e que tais.

Mas hoje em dia, em lugar de discordar cordialmente, opor-se com argumentos, ou apenas ignorar, precisamos de lacrar e ridicularizar uma pessoa, uma ideia, um raciocínio. Em suma, eliminar a lógica do outro. Pois é só a minha que presta, sim?

Percebe-se tal germe da intolerância tanto em alguns autoproclamados progressistas libertários quanto nos chamados conservadores reacionários. A diferença é que, sabendo comer de garfo e faca e inspirar certa elegância, muitos progressistas, libertários, amantes das liberdades, defensores dos desfavorecidos etc., pensam-se melhores, mais inteligentes e do lado correto e justo da História. Em ambos os prismas, há uma teatralização que cada vez mais me parece cafajeste, espúria e manipulativa.

Pois leiam o ICL, a Pública, o Estadão, a Folha, o O Globo, o Uol, o Zero Hora, o Valor, o El País, o Intercept, os jornais locais, os jornais de fora, a Piauí, a Gama, a Veja, a Cult, a Quatro Cinco Um, a Mídia Ninja, deem uma olhadinha na Oeste e no O Antagonista (meio de longe, sabe como?), nas revistas internacionais e em muitos e muitas mais que, quando vamos citar os nomes, corremos sempre o risco de esquecer.

Mas leiam para pensar; não concordar. Leiam sob a custódia do ceticismo, porém confiando que há, sim, pessoas bem intencionadas escrevendo, articulando, pensando.

Hoje, ao deslizar o polegar sobre a tela, temos acesso a muita coisa boa e gratuita. Haja vista a maravilha que é Portal da Crônica Brasileira e o site Leia Isso.

Também leiam literatura, qual seja ela, a depender do seu gosto, mas não apenas. Alargue o seu campo de interesses, cultive uma visão mais dilatada do Mundo. Comece com textos mais simples, menos desafiantes, mas vá galgando os seus modestos degraus, não fique aprisionado a só ler o mais fácil, o mais divertido, o que é mero entretenimento, o que distrai.

Tudo isso não é para ser melhor ou mais culto ou ter razão. Bobagem! É para ser mais decente. É o esforço em sair da bolha, em tentar perceber o todo (big picture), em descobrir que o Mundo é muito além do que gravita em torno do nosso umbigo.

A leitura ajuda, o pensar aperfeiçoa a nossa cidadania, mas é a decência, tanto no público quanto no privado, que esclarece de fato quem somos.

A pessoa mais sábia e decente que conheci foi por muito tempo analfabeta. Alfabetizou-se tardiamente. Mas ouvia e conversava que uma beleza, mantinha-se informada de tudo, até do que não devia. Quando então pôde decodificar e interpretar os símbolos impressos nas páginas de jornais e livros, fez ver a todos a alegria genuína que sentiu, a satisfação com ser possível ampliar seus saberes, romper os seus grilhões individuais.

*Kauã Barreto é estudante cabo-friense apaixonado pela literatura e apreciador do ofício jornalístico. Tem 19 anos.