FISCALIZAÇÃO AUSENTE

Falhas no tratamento de esgoto emperram recuperação da Lagoa de Araruama

Avaliação foi feita por professor da Uerj que vai participar de seminário sobre desafios e soluções para a proteção de ambientes lagunares costeiros

23 ABR 2025 • POR Redação • 10h08

Em pleno século 21, a Região dos Lagos, um dos destinos turísticos mais procurados do estado do Rio, ainda convive com deficiências severas no saneamento básico. A maior delas é a falta de investimentos na implantação de um sistema de coleta de esgoto em rede separativa, que ainda vem resultando na poluição da Lagoa de Araruama. A avaliação é do professor Adacto Ottoni, engenheiro civil sanitarista e professor associado do Departamento de Engenharia Sanitária e do Programa de Engenharia Ambiental da UERJ. Ele é um dos palestrantes confirmados para o I Seminário “Desafios e Soluções para a Proteção de Ambientes Lagunares Costeiros”, que acontecerá no próximo dia 26, na Escola Estadual da Praia do Siqueira (Rua Luiz Feliciano Cardoso s/n, Cabo Frio, bairro Praia do Siqueira). Os debates, promovidos pela Associação Socioambiental Nossa Laguna Viva com apoio dos movimentos Baía Viva, Mar Sem Lixo e Nossa Laguna Viva, acontecerão das 8h30 às 13h30. O objetivo é reunir especialistas, representantes do poder público, pesquisadores e ativistas para discutir soluções efetivas para os impactos ambientais nas lagoas da Região dos Lagos, especialmente os processos de assoreamento, poluição e perda da biodiversidade.

Junto com Sérgio Ricardo Dutra (fundador do Projeto Cultural ComVida e coordenador do Movimento Baía Viva), Adacto vai apresentar um painel sobre “A sustentabilidade ambiental para o saneamento de esgotos sanitários em áreas costeiras”. Em entrevista à Folha dos Lagos, o pesquisador fez um diagnóstico crítico do saneamento nas cidades da região, apontando desafios históricos, lacunas no planejamento e a ausência de controle social sobre a gestão do esgoto e da água.

Segundo ele, a técnica usada para o saneamento do esgoto na Região dos Lagos é a mesma adotada em outras partes do país. A diferença está nas características do território. Como se trata de uma região costeira, o lençol freático é mais superficial, o que facilita a infiltração da água nas galerias pluviais, que acabam recebendo esgoto por meio do sistema de “coleta em tempo seco”, modelo adotado nas cidades da região. Por isso, o professor avalia que o maior desafio local é a implantação da rede separativa, que separa efetivamente as águas pluviais do esgoto.

– Aqui, o maior desafio para viabilizar o saneamento de esgoto é implementar o sistema de coleta pelo sistema separador absoluto. Esse é o ponto: coletar o esgoto das casas, conectar com uma rede de esgoto sanitário separada da galeria de água pluvial, e esse esgoto sanitário ser encaminhado para uma estação de tratamento com destino final adequado. A Região dos Lagos tem essa peculiaridade de ser uma região costeira: você pode ter o aporte de água subterrânea próximo à superfície do terreno, e não tem rede de esgoto sanitário na região. O que acaba acontecendo, e que também ocorre em outras regiões, é que as residências jogam seu esgoto na galeria de água pluvial, sem tratamento. Quando você não tem rede de esgoto sanitário, sua casa tem que ter seu próprio sistema de fossa e filtro antes de jogar na água pluvial, mas isso não acontece na Região dos Lagos: joga-se o esgoto na água pluvial, o chamado sistema da coleta de tempo seco: se não está chovendo, a galeria era para estar seca. Se tem escoamento, esse escoamento é de esgoto. Então, você vai desviar esse esgoto de tempo seco para não poluir os corpos hídricos. Esse é o conceito. Mas na Região dos Lagos isso não está funcionando bem porque, possivelmente, na galeria pluvial, em tempo seco, pode ter afloramento de água subterrânea, e as estações de tratamento de esgoto têm uma vazão maior e não conseguem tratar. Aí o excesso vai, mesmo em tempo seco, descarregar na lagoa. É um sistema emergencial que virou permanente na Região dos Lagos - avaliou.

Segundo o professor, são diversos os fatores que, ainda hoje, contribuem para a deficiência nos serviços de saneamento da Região dos Lagos, especialmente no que diz respeito ao esgoto sanitário. Além do próprio sistema adotado atualmente (de tempo seco), ele também citou a falta de uma fiscalização mais rigorosa como um grande problema local.

– Se você tem um sistema de coleta de tempo seco que, no período seco, não funciona bem porque a água subterrânea pode estar adentrando as galerias de águas pluviais, você acaba tendo uma vazão maior do que a estação de tratamento de esgoto pode tratar. É um sistema deficiente por conta dessa peculiaridade que ocorre em áreas costeiras, onde o lençol freático é superficial. Outro fator de deficiência é o próprio tratamento. Para você poder ter controle disso, de acordo com a legislação, é necessário coletar as amostras e encaminhá-las para o órgão ambiental. Mas, quando a concessionária não faz isso, qual é a garantia que a população tem de que o esgoto está sendo bem tratado? A legislação obriga essas coletas de esgoto dentro de uma certa frequência, mas cabe aos órgãos ambientais, aos órgãos de regulação, serem mais exigentes quando há indícios de que o sistema não está operando bem. O que eu sempre coloco é que, para ter um controle ambiental mais eficiente do sistema, é preciso monitorar a entrada e a saída de todas as estações de tratamento de esgoto com sensores de vazão, porque o que entra tem que ser aproximadamente igual ao que sai. Inclusive, de acordo com a vazão, você pode verificar o que está realmente chegando de água na estação. É preciso também monitorar a qualidade da água, o pH e a condutividade, que são parâmetros qualitativos que indicam como está a qualidade do esgoto. Esse controle, hoje em dia, não é feito - revelou o estudioso.

Outro aspecto importante citado por Adacto como merecedor de constante monitoramento é a cloração no final da estação de tratamento. Segundo ele, o tratamento reduz a carga orgânica, mas, se o esgoto chega com um teor alto de coliformes termotolerantes, pode representar um risco para a saúde.

– As doenças são transmitidas através das fezes, por isso a cloração é essencial. Muitas vezes isso não é feito, colocando em risco a saúde da população, que pode se contaminar com aquele efluente já tratado, mas sem a desinfecção final. Esse risco também afeta o pescado, contaminando peixes - explicou.

O professor da Uerj garantiu que outros pontos relevantes também seguem sendo ignorados. É o caso do monitoramento de todas as estações elevatórias de esgoto e dos corpos hídricos.

– Obviamente, há uma deficiência nos processos de fiscalização e licenciamento, e isso acaba gerando riscos de poluição dos corpos hídricos, como no caso da Lagoa de Araruama, e de poluição das praias abertas, como é o caso da Praia da Siqueira. Isso ainda pode ser agravado com a dragagem do canal de Itajuru, que aumenta a saída de água da Lagoa em direção à praia. Todos esses fatores precisam ser investigados pelos órgãos ambientais e pelos órgãos de controle porque a consequência é a poluição da lagoa, o risco de poluição das praias e de contaminação do pescado por esgotos sanitários - revelou.

Por conta dessas constatações, Adacto é enfático ao afirmar que nas cidades da Região dos Lagos a sustentabilidade ambiental não está sendo considerada nas políticas públicas de saneamento.

– Política pública sustentável, ou com sustentabilidade ambiental para o saneamento de esgoto, é você garantir a abrangência da rede em toda a bacia urbana e, mesmo em áreas rurais. É ter sistemas alternativos para não deixar o esgoto sem tratamento chegar aos corpos hídricos. Quando se joga um esgoto tratado no rio, ele é um esgoto com menos poluição, mas ele ainda gera um efeito negativo que o corpo hídrico pode até suportar. Então, para eu ter sustentabilidade em uma gestão de esgoto sanitário, além de ter abrangência na coleta para realmente proteger os corpos hídricos naturais, os rios, as lagoas, as costeiras, etc., é preciso usar soluções sustentáveis, incluindo o reuso de esgoto ao invés de descartá-lo no corpo hídrico. Do esgoto com menos poluição você reaproveita, por exemplo, os nutrientes para baratear o reflorestamento, para irrigação de espécies arbóreas e outros fins, de acordo com o nível de tratamento do esgoto. E o lodo do esgoto você também pode reaproveitar como biogás e composto orgânico, gerando energia e ainda ajudando na área de recuperação do húmus do solo para vários fins. Isso é muito pouco feito no Brasil, muito pouco feito no estado do Rio de Janeiro, e estamos deixando muito a desejar aqui na nossa região em relação a políticas públicas de saneamento. E isso, no marco regulatório do saneamento, é um aspecto fundamental que devia ser cobrado das concessionárias - pontuou o pesquisador.

Para resolver todos esses problemas, ele aponta que é preciso mudar o sistema de coleta de esgoto em funcionamento atualmente, e fazer investimentos em educação ambiental.

– A solução mais correta para a nossa região é implantar o sistema de separador absoluto de coleta de esgoto. As estações já existem, muitas delas têm que ser aprimoradas. A concessionária tem que fazer isso com o controle dos órgãos de fiscalização ambiental e de regulação. Isso não se faz do dia para a noite, mas o importante é a concessionária ter metas de curto, médio e longo prazo para ampliar a rede sem gerar aumento expressivo das tarifas para a população poder pagar. Enquanto isso não é feito nós vamos estar sempre enxugando gelo, porque a poluição vai continuar. E para você ter sustentabilidade ambiental, tem que, obrigatoriamente, seguir alguns parâmetros: proteger os ecossistemas da natureza; ter uma viabilidade econômica, porque a solução sustentável pode não ser a mais barata, mas é a que tem um custo viável e é benéfica para o meio ambiente, e tem que ter viabilidade social. Por exemplo: não adianta você fazer a coleta seletiva de resíduos sólidos se a população não separa. Não adianta fazer um programa de reflorestamento se a população carente vai lá e desmata. Tem que embutir na população esse conceito de pertencimento. O melhor fiscal é a população consciente, que denuncia. A população consciente vai votar bem, em políticos que tenham compromisso com o meio ambiente, com a sustentabilidade, porque isso vai gerar, de fato, o bem-estar da população. Vai gerar renda, porque vai melhorar a capacitação das pessoas, vai melhorar o turismo na Região dos Lagos - explicou.

Além da palestra de Adacto, o I Seminário “Desafios e Soluções para a Proteção de Ambientes Lagunares Costeiros” terá outros dois painéis. O procurador da República no Ministério Público Federal de São Pedro da Aldeia, Leandro Mitidieri, vai abordar a “Judicialização do caso Prolagos x Concessão”. Durante a apresentação ele vai falar sobre os processos já em curso na Justiça Federal relacionados ao despejo irregular de esgoto nas lagoas da região, além de outras ações civis públicas e penais movidas pelo MPF sobre o tema.

– O Ministério Público Federal não atua sobre a questão do saneamento nem da concessão. Ele atua sobre o despejo irregular de esgoto em corpos hídricos federais, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o que levou ao recebimento das ações penais e ações civis públicas pela Justiça Federal - explicou ele, em conversa com a Folha.

Outra palestrante confirmada é Margoth Cardoso. Ela é doutoranda em Planejamento Urbano, advogada, jornalista, e mestre em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela vai apresentar o primeiro painel, que tem como tema “Aspectos Históricos, Operacionais e Riscos Associados à Captação em Tempo Seco. O caso da Região dos Lagos”. Para participar dos debates como ouvinte, é preciso fazer inscrição prévia. O link para o formulário está disponível no Instagram @‌nossa_lagoa_viva.