MEMÓRIA

Dona Eva, a quilombola de 114 anos que fez história em Búzios

Ao longo de mais de um século de vida, ela se tornou símbolo de resistência, ajudando a preservar a identidade e as tradições da comunidade da Rasa

28 FEV 2025 • POR Redação • 14h10

De acordo o IBGE, a população quilombola no Brasil é majoritariamente jovem, com idade mediana de 31 anos. Apenas 13% dos quilombolas têm 60 anos ou mais. Eva Maria da Conceição Oliveira (a dona Eva), de 114 anos, era uma dessas exceções: teve 12 filhos, mas há muito já havia perdido as contas dos netos, bisnetos e tataranetos. Inclusive era apontada como uma das quilombolas mais velhas do Brasil (antes dela, o mais velho era Antônio Mulato, da comunidade de Mata Cavalo, em Nossa Senhora do Livramento, no Mato Grosso, que faleceu em 2018 aos 113 anos).

Mais do que uma testemunha da história, Dona Eva foi parte dela. Quilombola do quilombo da Rasa, em Búzios, ela carregava consigo memórias dos primeiros anos pós-abolição e transmitia às novas gerações a cultura, a resistência e o orgulho da ancestralidade quilombola. Sua trajetória se confunde com a do próprio quilombo, onde cresceu, criou sua família e ajudou a manter vivas tradições centenárias. No último dia 14 de fevereiro dona Eva se despediu, mas deixou um legado na vida daqueles que aprenderam com ela o valor da coletividade e da preservação da história.

Dona Eva era filha de Maria da Conceição e Leonel de Oliveira. Nasceu na Fazenda Santo Inácio de Campos Novos (área rural de Cabo Frio) no dia 23 de dezembro de 1910, 22 anos após a princesa Isabel assinar a Lei Áurea, que aboliu a escrevidão no Brasil.

Em 2014, o jornalista Eduardo Ferreira, do jornal O Dia, conversou com “a moradora mais antiga e ilustre do quilombo na porta de entrada de Búzios”. Sobre a infância, dona Eva contou que “não tinha luz, água encanada, nem nada. Pra se divertir, a gente brincava de ciranda, fazia fogueira e dançava jongo (dança brasileira de origem africana)”, contou na época.

– Eu plantava batata, cana e mandioca. A pesca era feita em canoas, não nesses barcos mais evoluídos. Para ter uma ideia, meu pai morava em Cabo Frio e eu ia visitá-lo a pé daqui de Búzios. Ainda continuo fazendo minhas coisas. Lavo roupa todos os dias. Mas agora é tudo mais fácil - revelou ao jornalista do alto de sua lucidez aos 104 anos.

Dois anos depois, aos 106 anos, a quilombola participou do revezamento da tocha olímpica nos Jogos Rio 2016. Em 2021, durante a pandemia da covid, dona Eva foi a primeira idosa de Búzios (e uma das mais velhas do país) a receber a vacina contra o coronavírus. Ainda em vida, a Escola Municipal da Vila Verde recebeu o nome de Eva Maria da Conceição Oliveira, e o município buziano instituiu (pela Lei nº 1021 em 2014) o Dia Municipal do Quilombola (16 de março).

Segundo o site Prensa de Babel, dona Eva faleceu em casa, de causas naturais, e cercada pela família. O velório foi na Igreja Assembleia de Deus da Rasa, e o sepultamento no Cemitério de Santana. A Prefeitura de Búzios chegou a decretar luto oficial de três dias em homenagem à quilombola, afirmando que “ela dedicou sua vida à preservação cultural e à luta pelo reconhecimento das terras quilombolas, tornando-se um símbolo de resistência e ancestralidade para a comunidade buziana”.

A Secretaria de Cultura de Búzios também prestou homenagens à “uma figura emblemática da comunidade quilombola da Rasa”, ao registrar que dona Eva dedicou sua vida à lavoura e à família, deixando um legado de resistência e cultura.