Cultura

Sophia na Flip: os debates que permearam a participação da editora no evento, em Paraty

16 OUT 2024 • POR Redação • 18h27
Roda de conversa O aquilombamento da literatura infantil - Rapha Ferreira

A relação entre território e criação literária, as discussões sobre questões raciais e a presença feminina no mercado editorial foram temas que marcaram a participação da Sophia na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2024. A editora, sediada em Cabo Frio e mantida pelo escritor Rodrigo Cabral, fez parte da Casa Gueto, espaço de produtores independentes organizado pela paulistana Patuá. Um dos principais eventos literários do país, a Flip aconteceu entre 9 e 13 de outubro. A 22ª edição do evento fez homenagem a João do Rio (1881 – 1921).

No dia 10 de outubro, quinta-feira, na Casa Gueto, Leandro Miranda e Rodrigo Cabral participaram da mesa “Território e criação literária: de onde parte a escrita?”. Eles foram acompanhados por Marta Cortezão (TAUP), Adriana Antunes (Libertinagem) e Kim Wicks (Laboriosa Produções Poéticas), com mediação de Júlia Vita (Laboriosa Produções Poéticas).

Autor de “K – 36 – o zeppelin que caiu no Cabo” e “Histórias do Arraial e a fábrica da baleia”, Leandro Miranda foi questionado por Júlia Vita sobre o impacto que seus livros causam na cidade.

— Levei quatro anos para fazer o primeiro livro sete para completar o segundo. As pessoas se veem nos livros. É gratificante esse retorno que recebo dos personagens que estão nas obras. Na verdade, sem eles eu não conseguiria escrever. São memórias que poderiam se perder com o tempo. Por isso, é preciso muito cuidado na hora de pesquisar e de escrever também — explicou o historiador, que fez sessão de autógrafos de “Histórias do Arraial e a fábrica da baleia” no mesmo dia, às 19h.

Enquanto isso, Rodrigo Cabral detalhou como o trabalho de pesquisadores, a exemplo do próprio Leandro, ecoa em sua produção literária. Durante sua fala, Rodrigo leu seu poema intitulado “pesca do vigia”. Na antiga tradição de Arraial, o vigia, no topo do morro, observa o movimento dos cardumes a olho nu e, apenas com gestos, indica aos pescadores aos pescadores a direção em que os peixes se movimentam e a espécie. No poema de Rodrigo, o vigia transforma-se em poeta: “O poeta revela palavras no mar / crianças escrevem peixes em casa”.  

Durante a tarde, às 15h, no Sesc Santa Rita, Rodrigo Cabral participou do lançamento das antologias do selo Off Flip de Literatura – o autor foi segundo colocado na categoria Contos e um dos destaques na categoria Poesia. Além de Rodrigo, a mesa foi composta por Ateide Menezes, de Aracaju (SE), vencedor na categoria Crônica com o texto “Crônica da santa de Aracaju”, e do editor do Selo Off Flip, Ovídio Poli Junior. Durante sua fala, Rodrigo leu o conto “O encontro do lamparão com a galesca”, apresentou o trabalho desenvolvido pela Sophia e anunciou o lançamento de seu primeiro livro de poesia, “refinaria”.

— Em “refinaria”, a escrita parte das memórias. É a contemplação do que se transforma e do que permanece. O poema é sempre um recorte. Ao poeta, cabe tentar coletar a poesia que encontra, em estado bruto, na vida — explicou Rodrigo, que fez sessão de autógrafos da obra no dia 11, na Casa Gueto.

Também no dia 11 de outubro, Gessiane Nazario participou da mesa “Vamos falar sobre questões raciais?”, às 10h, ao lado de Cidinha da Silva, Débora Augusto Franco (Patuá), Anízio Viana (TAUP) e Aline Monteiro (TAUP). Na ocasião, a autora de “Revolta do cachimbo – a luta pela terra no Quilombo da Caveira” falou sobre as inspirações para escrever seu primeiro livro infantil, “Aspino e o boi”.

– A soltura desses bois na roça era parte da estratégia dos fazendeiros da Fazenda Campos Novos para expulsar nossos ancestrais, nossos bisavôs. Mas nossos ancestrais resistiam. Derrubavam a casa deles. Eles erguiam a casa de novo. Foi muita resistência. Essas histórias não são contadas. A história oficial, que predomina no território de Búzios, por exemplo, é a da visita de Brigitte Bardot. A nossa história é outra. Aspino é o pai do meu avô, Natalino. Ouço essa história desde criança. É algo muito simbólico. Quando meu bisavô estava voltando da roça, vinha o boi do fazendeiro. Certa vez, ele não resolveu fugir. Decidiu enfrentar o boi, como se fosse o próprio fazendeiro – contou Gessiane.

A autora fez sessão de autógrafos de “Aspino e o boi” no mesmo dia. De noite, conduziu roda de conversa chamada “O aquilombamento da literatura infantil”.

– É curioso que a história começa com “Era uma vez”, seguindo a tradição ocidental de contação de histórias de forma lúdica, mas não há necessariamente um final feliz. Não se trata de um conto de fadas. O livro mostra que a literatura infantil também pode trazer verdade. E que as crianças podem entender essa verdade. Depende do jeito como é contado. Também não podemos desprezar o papel do mediador, daquele que lê o livro junto com as crianças – comentou o artista visual Rapha Ferreira.

Rapha, aliás, ilustrou o livro “refinaria”, de Rodrigo Cabral, e esteve presente na sessão de autógrafos da obra.

– Entendo que o artista é alguém que monta um repertório de inutilidades. Acontece que esse repertório, em algum momento, frutifica.

Ainda no dia 11, Jaqueline Brum realizou sessão de autógrafos para seu livro infantil “Aventuras na laguna”. À noite, a escritora e coordenadora do grupo Flores Literárias participou do debate “Anônimo não é nome de mulher – escrita e apagamento”, ao lado de Anélia Pietrani ou Marina Ruivo (Garoupa), Iviny (Xará), Luciana Lima Silva (Patuá / Nauta) e Vivi de Paula (Nauta / Comala). A mediação foi de Débora Porto (Escola de escritoras).

– Escrevo desde pequena, mas nunca me reconheci escritora. Tive uma avó que teve sua voz silenciada, seus textos trancados. Mas a nossa casa era pura arte, pura poesia. Em algum momento isso aflorou em mim. Publico desde 2015. De lá para cá lancei seis livros. Comando desde 2016 um coletivo, junto com mulheres incríveis, chamado Flores Literárias. É um coletivo que luta e resiste para fazer acontecer. Nós organizamos a Flic, a Festa Literária Cabo-friense – disse Jaqueline, que atualmente preside a Academia de Letras e Artes de Cabo Frio (Alacaf).