"SE É GRAVE, É GREVE"

Sepe mantém greve por indeterminado na rede municipal de Cabo Frio

Paralisação foi motivada pela terceirização da merenda, que virou alvo de denúncia ao Ministério Público

27 SET 2024 • POR Redação • 11h00

A Câmara de Vereadores de Cabo Frio encaminhou para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o Projeto de Decreto Legislativo Nº 005/2024. O documento visa suspender os efeitos do termo de adesão à ata de registro de preços N° 001/2024/SEME, e do contrato de prestação de serviços N° 03/2024, celebrado entre a Prefeitura e a empresa Horto Central de Marataízes, empresa com sede no Espírito Santo. O objetivo do governo municipal com a ata de adesão e o contrato é terceirizar o fornecimento da merenda escolar nas escolas da rede municipal de Cabo Frio. O assunto foi destaque esta semana no site da Folha dos Lagos por conta de denúncia feita pelo Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe Lagos) que, em protesto, deflagrou greve por tempo indeterminado iniciada nesta quinta-feira (26).

Na sessão legislativa desta quinta-feira (26) a coordenadora geral do Sepe Lagos, Denize Alvarenga, usou a tribuna e contou que a terceirização da merenda “foi a gota d’água” para a decretação da greve por tempo indeterminado.

– O governo chama o Sepe de intransigente e diz que se reúne muito com a gente. Se reúne muito porque resolvem pouco, ou nada. O governo chegou a marcar uma reunião com a gente em pleno sábado. Nós fomos, chegamos na hora marcada, e não tinha ninguém no prédio. Esta semana havia nova reunião agendada para segunda-feira de manhã. A prefeita simplesmente não compareceu, e o secretário de Educação (Rogério Jorge) só apareceu para avisar que também não ficaria, e foi embora. Voltamos de tarde com a esperança de sermos recebidos e darmos andamento à pauta que já havíamos começado a discutir semana passada, e onde tivemos avanços. Mas, para nossa surpresa, fomos informados de que nada do que havia sido acordado poderia ser feito. Logo em seguida veio essa questão da terceirização da merenda, que é grave. E se é grave, é greve - decretou Denize.

Em nota enviada à Folha a Prefeitura disse reconhecer que “toda manifestação de greve é legítima e garantida por lei”. No entanto, ressaltou que todas as demandas apresentadas pelo sindicato estão em processo de viabilização, incluindo o novo Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR), elaborado de forma colaborativa com o sindicato e cuja viabilidade financeira está sendo analisada.

Após a sessão, os vereadores receberam o secretário de Educação para uma reunião no plenário. Representantes do Sepe Lagos também participaram da conversa. Na ocasião, Rogério Jorge respondeu a uma série de questionamentos. 

— Temos algumas questões que embasam a discussão, além da falta de transparência. O primeiro deles é a terceirização dos serviços e do fornecimento da alimentação escolar pela iniciativa privada, sem que haja previsão no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Isso sem citar a grande preocupação com os profissionais que hoje trabalham nas cozinhas das escolas. Eles ficarão sem emprego? Um outro ponto que nos preocupa bastante é a qualidade do alimento que será oferecido aos alunos - questionou o presidente Miguel Alencar. O secretário Rogério Jorge se comprometeu a enviar uma cópia de inteiro teor dos dois documentos referentes à terceirização da merenda nas escolas da rede municipal de Cabo Frio.

Em nota enviada à Folha, o governo municipal explicou que a terceirização da merenda vem sendo estudada desde o início da atual gestão, e será agora implementada. Disse que o processo inicial envolverá nove unidades escolares, onde serão analisados tanto a transição dos funcionários contratados para a nova empresa quanto o controle das refeições servidas. Mas, em comunicado, a presidente do CAE, Cíntia Pereira dos Santos Machado, e a vice-presidente Josely Cristine Azevedo Pereira, afirmaram que só souberam da possibilidade de terceirização da merenda escolar durante sessão extraordinária do Conselho realizada no mês de agosto. O fato, segundo elas, foi confirmado nesta terça-feira (23), com a publicação (no Portal de Licitações do site oficial do governo) da ata de registro de preços nº 1488/2024, para o exercício de 2024, no valor de R$ 47.349.498,00.

– Em nenhum momento o Conselho foi convidado pela Prefeitura, Secretaria de Educação ou setor de Licitação e Processos para participar ou opinar sobre este processo. Também não foram convidadas a participar e opinar sobre o processo, as cooperativas de agricultura familiar, os produtores locais, os conselhos escolares. Ou seja, nenhum dos atores sociais que participam da concretização do PNAE no âmbito do município - afirmaram as gestoras no comunicado que a Folha teve acesso.

Cíntia e Josely também protestaram sobre “a falta de diálogo e transparência para com diretoras, merendeiras e a comunidade que cada uma das unidades escolares representa e, também, para com este Conselho”. Afirmaram ainda que “é essencial que se realize um amplo diálogo com a sociedade antes de qualquer processo de terceirização e, ainda mais essencial quando se trata da ampliação da terceirização para as escolas municipais de Educação Infantil”.

– A alimentação escolar é uma parte fundamental do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). Fato esse que deveria ter grande peso na intenção da privatização da alimentação escolar, tendo em vista o que estabelece a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, no que tange ao direito humano à alimentação adequada e à segurança alimentar de toda a sua população. Nesse sentido, mais uma vez destaca-se a importância do papel da agricultura familiar na geração de emprego e redistribuição de renda, e também da participação da sociedade civil organizada na formulação e implementação de políticas, planos, programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada - afirmaram as gestoras do Conselho.

Em nota à Folha, a Prefeitura não informou porque o assunto não foi debatido junto ao Conselho de Alimentação Escolar, nem com os demais envolvidos no atual processo. Esclareceu, no entanto, que a nova gestão da merenda continuará incluindo a aquisição de alimentos da agricultura familiar, compra de gás de cozinha, pagamento de funcionários, entre outros aspectos. “Com essa mudança, teremos uma merenda padronizada em todas as escolas, mantendo a qualidade atual e garantindo maior uniformidade”, assegurou.

Além de ter motivado a decretação da greve por tempo indeterminado nas escolas da rede municipal de Cabo Frio, a terceirização da merenda também foi parar no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). A denúncia, de autoria de Lucas Muller, foi protocolada nesta quarta-feira (25). O documento afirma que o impacto dessa terceirização aos cofres públicos municipais seria de mais de 600%, tendo em vista que “o gasto sairia dos atuais R$ 8 milhões e iriam para R$ 47 milhões”. Sobre isso, o governo afirmou tratar-se de fake news. Durante a sessão legislativa nesta quinta-feira (26), o líder do governo na Câmara, vereador Léo Mendes, distribuiu uma planilha onde mostra que os gastos da Prefeitura com a merenda escolar passam de R$ 30 milhões.

– Só com folha de pagamento o gasto é de R$ 13 milhões. Com a compra de alimentos, são mais R$ 17 milhões. Tem ainda outras despesas com equipamentos, manutenção, gás, material de limpeza e outros. Então essa história de que os gastos vão passar de R$ 8 milhões para quase R$ 50 milhões é mentira - garantiu Léo Mendes.