MEIO AMBIENTE

Ambientalistas denunciam tentativa de manobra para excluir Praia Brava do PECS

Objetivo seria favorecer a construção de empreendimentos no local

6 AGO 2024 • POR Redação • 10h59

A recente visita de uma comitiva da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em Cabo Frio fez com que ambientalistas voltassem a denunciar uma suposta tentativa de manobra do governo municipal. Eles alegam que a intenção da prefeitura seria excluir a Praia Brava de uma área ambientalmente protegida e localizada no Parque Estadual da Costa do Sol (PECS). Conforme a Folha adiantou na última edição impressa, a mudança seria, entre outras coisas, para favorecer a construção de alguns empreendimentos no local.

– Existem alguns grandes projetos a serem aprovados para a área do entorno da Ilha do Japonês e Boca da Barra. Estamos vendo a dragagem de areia, tem estacionamento para três mil veículos no projeto, tem um resort, um parque aquático, um parque de aventuras na Praia das Conchas, e uma tentativa da Prefeitura de tirar a Praia Brava do PECS - denunciou Anna Mehdi, representante do Movimento SOS Dunas do Peró, e membro dos conselhos da APA Pau Brasil e do PECS.

Todos os empreendimentos citados por Anna fazem parte do Nova Cabo Frio Water Park, de propriedade da empresa paulista São José Desenvolvimento Imobiliário. A previsão é de que ele seja erguido nos próximos anos em uma área de 250 mil m² entre as praias das Conchas, Brava e Ilha do Japonês. Segundo fontes da Folha no Instituto Estadual do Ambiente (Inea), todo esse trecho estaria em um espaço considerado “zona de amortecimento”, áreas no entorno, e não dentro, de Unidades de Conservação Integral, mas que merecem atenção.

Em abril de 2023 a Folha já havia antecipado a possibilidade de que o novo Plano Diretor tivesse uma normativa específica que alterasse a relação entre usos permitidos, zonas de uso e parâmetros de ocupação para todo o entorno da Ilha do Japonês. Na época, a Prefeitura informou ao jornal que todo o trecho entre a ilha, Praia das Conchas, Peró e Guriri (onde o Club Med tentou se instalar) “estão localizadas em área destinada a promover o desenvolvimento e ordenamento urbano sustentável, através da instituição de parâmetros urbanísticos previstos na Lei de Parcelamento do Solo Urbano e na Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo, que determina as áreas passíveis de edificação ou não edificáveis”. Revelou, ainda, que “o uso e a ocupação dessas áreas de conservação componentes do AEIA serão determinados por normativa específica e pela legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo, que poderão rever a relação entre usos permitidos, zonas de uso e parâmetros de ocupação”.

O trecho entre a Praia Brava e a Boca da Barra, que pode ser inserido nessa nova normativa, foi um dos que chamou a atenção dos membros da Unesco. Ele faz parte do Geoparque Aspirante Costões e Lagunas do Rio de Janeiro, que abrange faixas litorâneas de 13 municípios da Costa do Sol e de três da Costa Doce. Toda essa área está prestes a receber o título de Geoparque Mundial da Unesco, uma chancela internacional, de caráter ambiental mundial. O resultado será divulgado após Assembleia Geral da Unesco, ainda sem data definida.

A professora Kátia Mansur, coordenadora científica do Instituto Geociências da UFRJ, acompanhou a visita da comitiva, e na ocasião ressaltou a importância de todo aquele trecho da Praia Brava, Ilha do Japonês e Boca da Barra para a história da geologia no mundo.

– Existem estudos muitos importantes que mostram que nessa região existem registros do que era a crosta continental e oceânica no momento da colisão, e isso é uma coisa rara porque, em geral, quando há essa colisão, a parte das rochas (que são substratos do oceano) se perdem, elas mergulham. Mas neste caso aqui, um fragmento desse assoalho oceânico ficou presente nas rochas. Na geologia chamamos isso de “ofiólitos”. É algo que não é muito comum na natureza, na superfície. E na Praia Brava e parte do Forte São Matheus existem esses registros de rochas de 500 a 600 milhões de anos que são do fundo de um oceânico que não existe mais, que fechou quando houve a colisão. Isso é algo muito raro que nos faz entender o passado, por isso todo esse trecho é um lugar muito especial - informou Kátia Mansur.

Segundo estudos, o oceano extinto que a professora Kátia se refere existia antes da formação dos continentes atuais. Trata-se de um oceano pré-histórico que fechou devido à colisão de placas tectônicas, há cerca de 500 milhões de anos, algo muitas vezes associado ao ciclo de Wilson, que descreve a abertura e fechamento de oceanos ao longo do tempo geológico.

Ainda segundo estudiosos, no contexto específico do Brasil (e da Praia Brava e Boca da Barra, em Cabo Frio), é possível que o oceano extinto seja o Pan-africano ou o Adamastor, ambos associados aos eventos tectônicos do ciclo Brasiliano-pan-africano, que ocorreram durante a formação do supercontinente Gondwana, há cerca de 500 a 600 milhões de anos. Esses eventos envolveram a colisão de continentes que resultou na formação de cadeias de montanhas e na incorporação de fragmentos de crosta oceânica na crosta continental, conhecidos como ofiólitos, que por todo esse contexto possuem relevância geológica mundial.

– É por isso que se deve ir com calma na redefinição dos limites do PECS, já que há rumores de tentativas de exclusão da Praia Brava do Parque da Costa do Sol - afirmou a também ambientalista Carolina Mazieri, conselheira do Parque Estadual da Costa do Sol e da APA Pau Brasil.