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Após mestrado em Harvard, médico aldeense volta à região e ministra palestra em escolas

5 JUL 2024 • POR Cristiane Zotich • 14h16

Um mês após se formar no mestrado de uma das mais antigas e conceituadas universidades do mundo (Harvard, nos Estados Unidos), o médico David Coelho voltou à Região dos Lagos para dividir sua história e sua experiência com alunos das escolas em que estudou. Foi em fevereiro do ano passado que ele recebeu a notícia de que havia sido aprovado no mestrado para saúde pública na universidade americana, uma das mais concorridas: segundo pesquisa, da média anual de 60 mil candidatos, apenas 6% conseguem uma vaga em Harvard.

– A ideia de revisitar minhas raízes surgiu da vontade de retribuir à comunidade que tanto me apoiou durante a minha jornada. No meu último ano do ensino fundamental, em 2010, estudei na Escola Municipal Luiza Terra de Andrade, em São Pedro da Aldeia. Nessa época, minha professora, Julimere Pereira, trouxe seu afilhado, João Paulo Rodrigues, para compartilhar com a turma a experiência de estudar nos Estados Unidos. Aquela conversa me fascinou e despertou em mim o interesse de estudar no exterior. Foi ali que uma sementinha foi plantada, e esse sonho foi reacendido posteriormente durante meu curso de Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-Macaé), quando decidi que queria também estudar fora. Então pensei: “por que não fazer igual ao João, que me inspirou tanto? Por que não voltar às escolas para dividir minhas experiências agora que acabo de me formar no mestrado na Universidade de Harvard?” Quando minha orientadora, Dra. Lilian Bahia-Oliveira, me convidou para palestrar na universidade sobre estágios, pesquisa e residência médica nos Estados Unidos, vi a oportunidade perfeita para também revisitar minhas antigas escolas. Entrei em contato com minha professora Julimere, e outros professores, para organizar essas visitas, desde o ensino fundamental até a universidade – contou David.

Na visita que fez à região, David aproveitou não somente para visitar, mas também para palestrar em várias escolas por onde passou ao longo de sua vida de estudante nas cidades da Região dos Lagos.

– Comecei pelas escolas onde fiz o ensino fundamental, incluindo a Escola Municipalizada Manoel Moraes da Silva e a Escola Municipal Luiza Terra de Andrade, em São Pedro. Reencontrei professores que me ensinaram a ler e escrever, e revi alguns que já estão aposentados. Na Escola Luiza Terra, recebi uma homenagem muito especial, com um coral e um poema escrito por uma aluna do 6º ano inspirado na minha trajetória. Também retornei às escolas onde fiz meu ensino médio e me preparei para o vestibular, como o Colégio Estadual Miguel Couto e a Escola Canto dos Pássaros, em Cabo Frio; o Colégio Municipal Francisco Porto de Aguiar, em Arraial do Cabo; e o CIEP 146 Professor Cordelino Teixeira Paulo, em São Pedro da Aldeia. Foi muito bom reencontrar professores tão importantes para mim, que tiveram um papel fundamental nas minhas premiações em concursos literários e olimpíadas científicas, além de terem contribuído para minha aprovação no vestibular de Medicina na UFRJ-Macaé e outras universidades.

O ciclo de visitas e palestras terminou na UFRJ-Macaé, onde David se formou médico em 2021. No total, mais de 500 estudantes – “cheios de curiosidade, entusiasmo e brilho no olhar” – ouviram e se emocionaram com a história do jovem, que estudou em escola pública praticamente a vida inteira, se formou em medicina por uma universidade federal, e foi aceito como aluno de mestrado em uma das melhores universidades do mundo.

Folha - Qual foi seu foco nas palestras?

David - Minha palestra teve o título “De São Pedro da Aldeia para o mundo: a importância de acreditar nos sonhos”. Eu venho de uma família humilde no interior de São Pedro. Minha mãe era cozinheira e meu pai trabalhava com reciclagem, ambos sem a oportunidade de completarem os estudos. Mas eu sonhava em ser médico e também em estudar no exterior. Quis compartilhar com os jovens um pouco da minha história: de onde eu vim, que minha base é de escola pública, e que, apesar das dificuldades (como a dificuldade que meus pais tinham de pagar meu curso de inglês), eu não deixei de sonhar e acreditar nos meus sonhos. Compartilhei com eles que, no ensino médio, estudei em várias escolas, sempre buscando um ensino melhor. Eu saía de casa de madrugada para pegar ônibus para outra cidade, com a mochila pesada de livros, e muitas vezes tinha dificuldade até para comer, pois passava o dia todo fora. Com muita determinação, estudo e apoio de pessoas queridas, consegui ser aprovado em Medicina na UFRJ-Macaé. Hoje, acabo de me formar no mestrado em uma das mais prestigiadas universidades dos Estados Unidos, a Universidade de Harvard. Olhar para trás e ver toda essa trajetória é uma sensação incomparável. 

Folha - Qual a sensação de saber que sua história pode influenciar o futuro de outros jovens?

David - É extremamente gratificante. É como se todo o esforço e os desafios que enfrentei ao longo da minha jornada ganhassem um significado ainda maior. No final das palestras, crianças de 10 anos vieram falar comigo sobre seus sonhos de serem médicos, advogados, professores, estilistas e até corredores olímpicos. Adolescentes de 14 a 17 anos me perguntavam sobre estudar fora e vinham conversar em inglês. Na universidade, os estudantes já faziam perguntas mais técnicas sobre como ser médico nos Estados Unidos. Espero que, ao compartilhar  minhas experiências, eu possa ajudar a despertar o potencial desses jovens e encorajá-los a seguir seus sonhos, independentemente das dificuldades que encontrem pelo caminho, assim como o afilhado da minha professora me inspirou lá no ensino fundamental.

Folha - Como foi a experiência de estudar em Harvard?

David - Estudar em Harvard foi uma experiência transformadora. A universidade oferece um ambiente acadêmico de altíssimo nível, com professores renomados e colegas extremamente dedicados e talentosos. Durante meu mestrado em Saúde Pública pude aprofundar meus conhecimentos em Psiquiatria e Saúde Mental, especialmente no contexto de populações marginalizadas, em colaboração com a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) no Rio de Janeiro. Essa experiência reforçou meu compromisso com a saúde pública no Brasil, e desejo continuar colaborando nas pesquisas, mesmo à distância. Outro aspecto que gosto de ressaltar ao estudar fora é a multiculturalidade. Na minha turma eu tinha colegas de todas as partes do mundo e isso foi algo que me enriqueceu muito e abriu horizontes. 

Folha - Quais são seus próximos passos após a formatura do mestrado?

David - Pretendo seguir na área de Psiquiatria e Saúde Mental. Volto agora para Boston, onde assumirei uma posição de pesquisa no Massachusetts General Hospital, um dos melhores hospitais do mundo. Lá, terei a oportunidade de trabalhar com a saúde mental de populações marginalizadas, algo que sempre foi minha paixão. Além disso, estou me preparando para aplicar para a residência em Psiquiatria nos Estados Unidos. Os desafios continuam, mas a jornada também. Por isso gostaria de agradecer a todas as pessoas que foram importantes nessa trajetória, muitas das quais estiveram presentes nesses reencontros. Embora não consiga mencionar todos, gostaria de destacar alguns. Primeiramente, aos meus pais, Marta e Eraldo, que sempre me apoiaram, e ao meu esposo, Rogerio Luz, que está sempre ao meu lado. Aos meus avós (in memoriam), Joana e Carlito; meu irmão, Dayvison; minha tias, Angelica e Erilda; e meus primos, Dhomini e Diego. Agradeço também aos meus professores do ensino fundamental, Petrucia e Dayse, do Manoel Moraes; e Julimere, Lucimar, e Leila, do Luíza Terra. Aos meus professores do Miguel Couto, Valdea, Vanessa, Stefânia, Suzana e Meyri; do Francisco Porto, Luciana, Flávio, Ana Paula, Fernanda e Mônica; do CIEP, Alexandre e Joel; do IFRJ, João Gilberto; do Canto dos Pássaros, Medinha, Alessandra, Ygor e Dudu; do IGPI, Ivana e Deborah; do meu curso de inglês, Vanessa,  Lilian, Fernanda Aguiar e Fernanda Castro; e da UFRJ-Macaé, Dra. Lilian, Dr. Joelson, Dra. Karla, Dra. Jussara, Dra. Kátia, Dra. Gizele e Dr. Paulo Melo. Também agradecer às minhas grandes incentivadoras Ana Catarina e Ana Ávila; aos meus amigos Alex, Camilla, Debora, Fernanda, João Paulo, Naira, Rodrigo, Tamiris e Willians; à Biblioteca Walter Nogueira, em Cabo Frio, com as bibliotecárias Zuleika e Sônia, onde passei muitas horas viajando no mundo dos livros; e às Dra. Beatriz Grinsztejn, Dra. Valdilea Veloso e Dra. Carolina Coutinho pelas parcerias na FIOCRUZ. À Fundação Lemann, por me conceder a bolsa de estudos para o mestrado, e aos meus mentores dos Estados Unidos do curso Principles and Practice of Clinical Research (PPCR), Dr. Felipe Fregni e Dra. Alma Sanchez; e do Massachusetts General Hospital, Dr. Paolo Cassano e Dr. Alex Keuroghlian. Muito obrigado por todo o apoio. Para quem se interessar e quiser saber mais da minha história, pode me contatar pelo e-mail daraujocoelho@mgh.harvard.edu.