Retração no repasse de royalties para Cabo Frio liga o sinal de alerta
Levantamento feito pela Folha compara meses de 2023 com mesmo período de 2013: Cabo Frio foi o único município da região que teve queda de repasses
Após quase 10 anos da última crise financeira que deixou servidores públicos de Cabo Frio com meses de salários atrasados e fornecedores sem pagamento, um novo sinal de alerta começa a acender. Um levantamento feito pela Folha dos Lagos revela que os repasses de royalties do petróleo realizados de janeiro a julho deste ano (R$ 164.009.501,82) foram 8% menores do que os realizados nos mesmos meses em 2013 (R$ 178.245.644,05). Das sete cidades da Região dos Lagos, Cabo Frio foi a única com queda de repasse neste período: Búzios teve aumento na ordem de 56%; Arraial do Cabo, 664%; São Pedro da Aldeia, 670%; Iguaba Grande, 1.915%; Araruama, 3.465%, e Saquarema, impressionantes 15.065%, saltando de R$ 5.409.220,65 para R$ 820.300.884,52.
Um outro levantamento feito pelo jornal, desta vez comparando os repasses anuais (janeiro a dezembro) de 2012 com 2022, revelam mais um resultado negativo para Cabo Frio: enquanto Saquarema viu o repasse dos royalties crescer em incríveis 19.444%, em Cabo Frio o aquecimento foi de tímidos 8% (em Búzios foi de 173%; Arraial do Cabo, 527%; São Pedro da Aldeia, 812%; Iguaba Grande, 2.577%; Araruama, 2.694%).
Em conversa com a Folha, o professor de administração e ex-secretário de Fazenda de Cabo Frio Clésio Guimarães explica que o resultado ruim do município nos dois comparativos tem a ver com a alteração no layout de produção de petróleo.
– Houve esgotamento de alguns poços, e outros tiveram sua produção reduzida. Além disso, questões técnicas influenciaram nos repasses. Houve o remanejamento para outras áreas de produção que não contemplavam o município de Cabo Frio – explicou.
A situação faz remeter a 2015: depois de anos de fartura por conta de repasses altos, que permitiram pagamentos de 14º salário, festas para servidores com sorteios de presentes caros e até obras grandiosas como a Ponte Márcio Corrêa, duplicação da Avenida Wilson Mendes e construção da Praça das Águas, naquele ano o então prefeito Alair Corrêa viu tudo desmoronar: com a queda brusca no repasse dos royalties do petróleo, as finanças do governo entraram em colapso. A cidade enfrentou uma onda de greves na Educação e outros setores por conta de salários atrasados; protestos de garis espalhando lixo pelas ruas; e prédios públicos com energia elétrica cortada por falta de pagamento.
– Essa crise aguda no último governo de Alair foi causada pela queda dos royalties uma vez que o município era altamente dependente desta receita. E no cenário atual o governo municipal também deve sim, acender um alerta, porque os royalties são receitas finitas não controláveis pelo município – alertou Clésio.
Para o professor, a situação atual só não está pior porque em 2018 o governo municipal entrou com um processo junto à ANP questionando a metodologia dos repasses. A repercussão do resultado só veio em 2021. Mesmo assim, segundo ele, o momento atual requer cautela nos investimentos que têm os royalties como fonte de pagamento.
– O que houve no governo do prefeito Alair Corrêa em 2015 é que não foram tomadas as medidas necessárias para o enfrentamento da crise, como redução da folha de pagamento, cortes de investimentos e outras despesas. Faltou habilidade administrativa para lidar com a crise. O grande problema de Cabo Frio sempre foi o tamanho da folha de pagamentos, que consome em torno de 50% (ou mais) da receita corrente líquida. Se gastar menos com a folha, (e os encargos gerados por ela), sobrará recurso próprio que poderá ser utilizado para pagamentos de várias despesas que hoje são quitadas com os royalties – opinou.
Para não ser tão dependente dos royalties, na avaliação de Clésio, todos os municípios precisam investir na receita própria (“sem aumento de impostos, apenas ser eficiente na cobrança”) e reduzir despesas de custeio, além de promover atração de empresas de médio e grande porte para absorção da mão de obra local, hoje dependente do poder público.
– E o que é mais importante: a repercussão do faturamento dessas empresas no cálculo do ICMS e do próprio FPM. Além disso, também é necessário modernizar a máquina administrativa; diminuir número de secretarias; aprender a dizer “não”; ter um secretariado estritamente técnico, sem injunções políticas; dividir o município em setores para melhor administrar e fiscalizar; firmar parcerias público-privadas na realização de eventos, obras etc. Temos um produto altamente desejável pelas empresas que é nossa beleza natural. É preciso ter bom senso e sabedoria para governar e difundir uma frase proferida por John Kennedy: “Não pergunte o que o município pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu município”.