Folha 33 anos: as mudanças em Cabo Frio de 1990 para cá, segundo Ivo Saldanha
No aniversário do jornal, psicanalista afirma que cidade ainda desconhece seus potenciais
Quando a Folha dos Lagos chegou às bancas pela primeira vez, no dia 30 de abril de 1990, o prefeito de Cabo Frio era Ivo Saldanha. Em entrevista ao jornal, o psiquiatra conta como foi administrar Cabo Frio em uma época em que os recursos financeiros ainda eram escassos e os royalties não eram tão polpudos como hoje em dia. Também fez uma avaliação dos avanços e retrocessos em áreas como meio ambiente e saúde e avaliou a situação atual do município.
Folha - Como era administrar Cabo Frio há 33 anos?
Ivo - Era muito difícil, porque naquela época a legislação era toda diferente. Hoje você não pode contrair despesa se você não pode pagar, e antes, não: você empenhava recursos no futuro. E era uma desorganização, uma bagunça, uma falta de organização administrativa, sem planejamento. Não tinha nada organizado. Praticamente a gente tinha que adivinhar as coisas. E às vezes o adversário, pelo menos naquela época, tentava destruir para deixar mal para os outros. E a gente estava chegando com outra vontade. Então isso foi difícil, até mesmo para organizar as equipes.
Folha - Quais eram suas maiores dificuldades como prefeito?
Ivo - Muitas. O ser humano hoje, na nova compreensão humana, administra cinco. E isso quer dizer o quê? Quando você sai da barriga da mãe, você vem para o ambiente natural, o social, na presença de outras pessoas e presença dos objetos. E você tem que aprender a gerenciar esses cinco. E na nova compreensão, também, você administra um território. E que território era esse? Era o limite do território do município. E como você faz para gerenciar pessoas sem nenhum plano, nenhum projeto? Esses potenciais da cidade, as riquezas, a história, o meio ambiente, a cultura? A gente tinha pouca coisa.
Folha - Hoje, 33 anos depois, você acha que ficou mais fácil ou mais difícil administrar Cabo Frio?
Ivo - Muito mais fácil. Hoje temos uma cidade com muitos recursos. E nós, naquela época, pegávamos tudo o que podíamos fazer em potencialidade da cidade: na história, na cultura, no meio ambiente, na cidade turística. Hoje você tem como trazer, em benefício das pessoas, essas riquezas que antes não eram valorizadas. E hoje você tem acesso a muitas coisas novas, a informações sobre a história antiga da cidade, e uma cidade que é a mãe, praticamente, da cultura, da história do Brasil e das Américas. As escolas, por exemplo, sempre foram um problema aqui na nossa região, quando na verdade Cabo Frio deveria ter a primeira escola modelo do Brasil, porque foi por aqui, inclusive, que em 1500 os indígenas de Tamoios foram os primeiros professores dos europeus. Eles ensinaram a caçar, ensinaram onde tinha água potável, a extrair sementes e plantas... Então, a primeira escola do Brasil foi em Cabo Frio, mas nunca soubemos usar isso. E o tempo que eu tive foi muito pequeno para transformar isso de uma hora para outra. Era uma equipe nova que estávamos preparando, e que naquela época já tinha lançado essa chamada meritocracia, que hoje todo mundo comenta.
Folha - Você era um defensor do meio ambiente. Hoje, 33 anos depois, que avaliação você faz dessa área?
Ivo - Um dos grandes eventos dos anos 1990 foi a vinda da Rio 92, essa reunião mundial feita pelas Nações Unidas, e o quinto centenário de descobrimento das Américas. E o que nós fizemos naquela época? Já sabendo dessas raízes da história e da cultura, nós pegamos o que existia de vivo no meio ambiente, que era o Pau-brasil, que estava quase em extinção no país. Então descobrimos essa semente e começamos a preparar, junto com outras pessoas e a Fundação Nacional do Pau Brasil, lá em Recife, e apresentamos na Rio 92. E assim Cabo Frio ganhou o projeto mundial da Rio 92 com o Pau-brasil. Também levantamos a bandeira do sal porque a origem era Cabo Frio. E o que aconteceu? Colocamos flúor no sal, que acabou ganhando o comércio. E esses dois projetos foram campeões em todos os congressos que participamos. Eram riquezas e potencialidades que ninguém via.
Folha - Você também tinha um olhar diferenciado para a saúde, atendendo no chamado “Muro do Amor”. Que avaliação você faz da saúde hoje?
Ivo - Na Constituição de 1988 veio a criação do SUS, que fez com que os governos federal, estadual e municipal passassem a governar a saúde. O Muro do Amor foi o início de um atendimento social aberto na rua. Eu atendia debaixo de um jamelão, ali em frente à rodoviária, e as pessoas, por acaso, escreveram aquele nome, de Muro do Amor. E isso trouxe um aprendizado gigantesco para a época porque começamos a incentivar a criação e fundação de todas essas associações, de cooperativas, de grupos de AA e outros que fazem esse trabalho, a fazer terapia nas ruas, com dança, com esporte, com música… O Muro do Amor foi a raiz desse atendimento aberto na cidade.
Folha - Em quais áreas da cidade você acha que houve avanços nesses 33 anos?
Ivo - Em nenhuma. Se formos contar quanto Cabo Frio arrecadou de recursos do petróleo, da minha época pra cá, é imenso. Se pegasse esses recursos daria para transformar a cidade em um exemplo de associação social modelo para o país. Se você andar em Cabo Frio, olhar a cidade, o planejamento, as riquezas, geração de emprego, trabalho, mão de obra, investimento na educação e saúde, nada foi feito. O que vemos é um adoecimento da população.
Folha - E onde você acha que houve retrocesso?
Ivo - O retrocesso é o desconhecimento da cidade, que não entende o potencial, a cultura, esse ambiente importante e rico para o turismo. Quem vem a Cabo Frio não tem nenhuma programação, nenhuma orientação, nenhum trabalho profissional em cima dessas riquezas e potencialidades. Um turista internacional que procura cultura, história, meio ambiente e segurança não encontra profissionais em Cabo Frio. Não temos mão de obra, nunca existiu, e temos tudo para fazer.