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Folha dos Lagos: as histórias por trás das 6 mil edições

Nesta sexta (11) jornal completa mais uma marca histórica em seus 32 anos de fundação

11 NOV 2022 • POR Cristiane Zotich • 09h30
Em abril de 1990 circulou a edição n°1 da Folha dos Lagos

Quem acompanha a história da Folha dos Lagos já sabe: tudo é motivo para festa e celebração. E, ao chegar à histórica edição de número 6 mil, nesta sexta-feira (11), não poderia ser diferente. Trinta e dois anos depois da circulação da edição nº 1, em abril de 1990, não faltam motivos para comemorar mais esta marca, afinal, são mais de 56 mil páginas, cerca de 30km de jornal, mais de 400 mil palavras e cerca de 60 milhões de caracteres contando a história das cidades da Região dos Lagos. Um marco que, na verdade, começou muito antes, em 14 de junho de 1980, quando o jornalista Ralph Bravo fundou a Folha de Cabo Frio, que deu origem à Folha dos Lagos, fundada pelo jornalista Moacir Cabral.

— A Folha de Cabo Frio surgiu como um jornal mensal numa época em que a cidade tinha pouquíssimos veículos de comunicação. Para se ter uma ideia, Cabo Frio tinha, na época, cerca de 70 mil habitantes. A redação era formada por quatro pessoas contando com um colunista. Foram muitos momentos de altos e baixos. E, por volta da edição 70, o Moacir Cabral me procurou para comprar o título do jornal. Aceitei a proposta, e o nome Folha de Cabo Frio foi mantido nas primeiras quatro edições, até que mudou para Folha dos Lagos, como conhecemos hoje - contou Ralph.

A edição nº 1 trazia estampada na capa a manchete “Os dólares já estão chegando” e uma charge com o então prefeito Ivo Saldanha, assinada pelo ator e diretor teatral, José Facury.

— Todos éramos jovens, saindo de uma ditadura militar e votando para presidente pela primeira vez. E eu militante petista. A Folha dos Lagos nascia com a promessa democrática e libertária de ser aberta para os novos tempos diante das variadas opiniões que iriam minar na sociedade. Os que se punham na política no viés mais retrógrado, próximo ao que restou da ditadura, por nós eram merecedores de críticas. O visionário prefeito Ivo Saldanha tentava criar o PES (Partido Ecológico Social), mais afeto ao seu pensamento social ecológico, ao distribuir como marketing brejeiro mudas de pau-brasil como símbolo. Hoje, com a Folha online, a volta do Lula e com Zé Bonifácio no poder, parece que os personagens envelheceram, mas o tempo parou lá atrás, na expectativa que comece a ver o carro de som dobrando a esquina da praça tocando: “Quem é que vai ganhar? É Doutor Ivo!” — contou Facury.

Trinta e dois anos e 6 mil edições depois, mais de 80 funcionários passaram pela Folha dos Lagos, entre eles o jornalista Cleber Lopes, que lembra, com carinho, de ter visto o atual diretor do jornal, Rodrigo Cabral, brincar de carrinho na mesa do pai, Moacir Cabral.

— A experiência pra mim sempre foi incrível porque a Folha dos Lagos esteve sempre na vanguarda do jornalismo e me permitia ousar, experimentar a profissão na sua mais pura essência. Certa vez eu e (Moacir) Cabral estávamos na Festa da Padroeira, na Porto Rocha, quando aconteceu um tumulto. Eram guardas municipais agredindo e arrastando um menino de rua. Saquei a câmera e fotografei. O flash chamou a atenção. Ao contrário dos dias de hoje que todo mundo aponta a câmera do celular para os acontecimentos, naquela ocasião acabei virando o alvo. Fui cercado, me tiraram a câmera, velaram o filme e comecei a ser empurrado. Quem me tirou do tumulto foi Cabral, que acabou cercado e ameaçado de prisão. Na ocasião, em meio à confusão, tivemos que nomear José Jeconias Soares nosso advogado, que contornou a situação. Pensamos em colocar na porta da redação uma placa escrito “entre sem bater” — contou.

Na memória, Cleber também traz uma reportagem que fez com Ivo Saldanha, depois que ele deixou o governo, e que retratava a solidão de uma pessoa ao deixar o poder. 

— A cobertura da morte do adolescente João Paulo, num feriadão em Cabo Frio, também me impactou porque a Folha acompanhou o caso até a condenação do criminoso. Nascia aqui o Movimento Pela Vida, uma das mais respeitadas ONGs do país, criada pela mãe do rapaz, Vera Lúcia. Outra matéria que a memória destaca, em parceria com Moacir Cabral, foi o surgimento da comunidade Rainha da Sucata. A reportagem batizou o bairro com esse nome devido à novela que fazia sucesso na época. O nome pegou e ainda permanece. Hoje, apesar de vivermos tempos em que estamos sendo demonizados, sonhamos escrever manchetes que representem o fim do sofrimento da raça humana, e isso inclui o fim da guerra, da fome, a cura de doenças físicas como câncer, Aids, Covid, e também morais, como racismo, preconceito, homofobia, feminicídio e corrupção — revelou.

A jornalista Danielle Carvalho passou 10 anos na redação da Folha dos Lagos, e revela que “é impossível não lembrar com carinho, e com um sentimento de gratidão, do jornal que me deu a oportunidade de ingressar no mundo da Comunicação Social, de ser jornalista”. 

— Cleber Lopes, Moacir Cabral e Juliano Alcoforado (ex-chargista da Folha) foram os responsáveis pela realização deste sonho. Acompanhei toda a metamorfose do jornal semanal para diário. A loucura da redação, a empolgação e a alegria de oferecer ao leitor notícias de primeira mão e com qualidade. Um aprendizado para toda vida. Nesse tempo foram muitas histórias apuradas, algumas tristes e outras alegres. A que mais me marcou foi quando fui à Delegacia de Cabo Frio apurar o caso de um traficante preso, e enquanto esperava ser atendida pelo delegado me chamou atenção um senhor de quase 50 anos, com roupa de gari, chorando num canto com os braços cruzados. Me aproximei para perguntar o que havia acontecido, e ele me explicou que tinha acabado de receber o pagamento e foi assaltado. Necessitava pagar a luz da casa que já estava cortada, e comprar alimentos para seus filhos. Era impossível não me sensibilizar com a história dele. Fui para a redação com o coração apertado e contei para meus companheiros que não hesitaram em ajudar. A partir deste momento o jornalismo teve muito mais valor, muito mais sentido na minha vida. Não só relatamos histórias, mas também melhoramos muitas delas. E foi o que aconteceu com esse senhor: conseguimos juntar o dinheiro para pagar a luz dele, comprar comida e ainda um extra para ele ficar mais tranquilo. Este foi um dos momentos mais lindos da minha carreira — contou.

Atual subsecretário de Comunicação na Prefeitura de Campos dos Goytacazes, o jornalista Luiz Costa trabalhou na Folha dos Lagos no ano 2000, e se recorda de uma matéria que o marca até hoje.

— Naquele ano houve a chacina de uma família inteira no bairro Jardim Esperança. Lembro que foi uma situação muito louca, um lance assustador. Uma das vítimas estava grávida, tinha um bebê novo entre os mortos. Isso mexeu muito comigo. Lembro até hoje — recordou.

A mesma matéria foi citada por Ernandes Joaquim, que por 22 anos trabalhou como motorista do jornal.

— Como motorista estive presente na cobertura de muitas matérias e algumas me marcaram muito, como a chacina do Jardim Esperança, em que sete pessoas de uma mesma família foram assassinadas dentro de casa. Lembro que depois fomos cobrir o velório no cemitério do Jardim Esperança. Teve também o acidente com o barco Tona Galea. Era um feriadão, a redação inteira estava viajando, e só eu e a jornalista Cristiane Zotich estávamos na cidade. Nós dois fizemos toda a cobertura. Lembro, também, de muitas outras situações. Uma delas, eu e a jornalista Danielle Carvalho fomos para Búzios cobrir uma matéria sobre a explosão de uma granada: um catador de materiais recicláveis achou o material na praia e levou pra casa achando que era algo reciclável, e quando bateu com a marreta na granada, ela explodiu. Eu e Danielle estávamos no pronto socorro de Búzios cobrindo a história, e Daniele, naquela correria toda, de salto alto, tropeçou e caiu. Nisso a máquina fotográfica abriu, o rolo de filme saiu e quase que a gente perde todo o trabalho. Também me recordo com carinho de ter visto Rodrigo Cabral crescer, se formar, tomar conta do jornal. 

HISTÓRIAS DE QUEM JÁ FOI HISTÓRIA NO JORNAL

Além de ter sido notícia na Folha por diversas vezes, o ex-vereador cabo-friense Waldir Aguiar ajudou a escrever parte das 6 mil edições como colunista. Semanalmente ele assinava um espaço chamado “Recados”: foram cerca de 60 artigos que ele pretende transformar em um livro. 

— Lembro até hoje da primeira matéria, que foi “Os dólares já estão chegando”. Ivo Saldanha era o prefeito. Na época a gente tinha poucos jornais, como o do amigo José Resende. Mas a Folha dos Lagos marcou, pra mim, de forma muito profunda, sobre a questão do jornalismo. Tive o privilégio de ter visto nascer e viver muitas histórias curiosas. Um dia eu e (Moacir) Cabral fomos buscar o jornal, eu estava dirigindo e Cabral do meu lado. Chegando na porta do Junior (Restaurante), descemos, e Alair Corrêa (ex-prefeito) estava ali na frente também, e quando viu Cabral, Alair juntou as duas mãos esfregando e falou “vou moer esse jornal seu”, e Cabral respondeu "não vai, não”. Os anos se passaram, e o jornal ainda está aí, e quem foi moído pelo tempo foram os políticos que não levaram fé na força do jornal e da imprensa de alto nível que a Folha dos Lagos trouxe, e ainda traz pra gente até hoje — lembrou Waldir, que sonha um dia ver estampada na capa do jornal a notícia de que Cabo Frio acabou com a poluição.

—Temos um dos pedaços mais bonitos do planeta, e a gente não vê o cuidado com a natureza e preservação do meio ambiente. Lembro que quando cheguei aqui as dunas eram tão brancas, tão altas e tão movimentadas que fechavam a estrada de Arraial do Cabo. Hoje essas dunas praticamente sumiram, assim como outras áreas verdes, manguezais… Estamos muito distantes da questão ambiental, e essa é minha maior preocupação.

Quem também ajudou a escrever parte das 6 mil edições, ora como notícia, ora como colunista, foi o atual presidente da Associação de Hotéis de Cabo Frio e coordenador estadual de turismo da região da Costa do Sol, Carlos Cunha.

— Pra mim é um orgulho ter feito parte da história da Folha dos Lagos e ter contribuído para essas 6 mil edições. Tive o privilégio de ter sido um dos colunistas do jornal, e lembro até hoje de um artigo que escrevi com título de “Um câncer chamado royalty”. Isso foi em 2016, se não me engano, e segue sendo um tema muito atual até hoje. É preciso ter em mente que o petróleo é finito, enquanto o turismo, se bem trabalhado, não. Nosso verdadeiro ouro é o turismo.

Além dos colunistas, muitos outros nomes ajudaram a Folha dos Lagos a chegar à edição 6 mil. O prefeito José Bonifácio, por exemplo, estampou (e ainda estampa) várias manchetes. Apesar de nem todas serem positivas, ele destaca a importância do jornal na história de Cabo Frio.

— A Folha dos Lagos é um marco na história da comunicação e da imprensa em Cabo Frio. Quero parabenizar o fundador, Moacir Cabral, e a toda a equipe pelo trabalho que resultou em seis mil edições do jornal, pelo trabalho independente. Ao longo desses anos, vimos crescer o número de meios de comunicação, com os blogs e a mídia na internet. Hoje em dia você se comunica de diversas formas, mas por muitos anos não foi assim. E, neste contexto, falo um pouco da minha vida, do meu aprendizado, que foi com os jornais impressos e a Folha dos Lagos é um deles. Nós, que estamos no poder público, recebemos muitas vezes críticas construtivas que nos fazem refletir e melhorar o trabalho. Esse é o papel da imprensa livre e independente, que é a essência da nossa Democracia. Parabéns e longa vida ao Jornal Folha dos Lagos — desejou.

Assim como Bonifácio, o engenheiro Ricardo Azevedo, o Cacá, conta que também já se viu estampado em algumas manchetes negativas da Folha, mas lembra de outros episódios em que o jornal lhe arrancou boas risadas.

— Eu era secretário de Obras, e estava fazendo uma obra legal. O (Moacir) Cabral fez uma matéria sobre o assunto mas usou uma foto minha sem camisa, tomando cerveja. Eu falei: “Poxa, Cabral, que foto é essa? Você está falando do meu trabalho, e me coloca uma foto dessa?”. E ele respondeu: “Era a única que eu tinha”. E rimos muito disso. Outra história legal foi quando assumi a comunicação da Prefeitura e Cabral me deu o título de “engenheiro da Comunicação da Prefeitura” e acabei ficando conhecido por esse título — revelou Cacá, que sonha em ver como manchete do jornal o fim das redes sociais.

— Celular é só pra ligar ou usar Whatsapp, no máximo, porque aí as pessoas vão voltar a se falar, e em uma mesa não vai ficar ninguém só olhando pro celular, vendo redes sociais. Eu tenho rede social porque fizeram, mas nem uso. Então queria que acabasse.

Presidente do Cabo Frio Convention & Visitors Bureau, Maria Inês Oliveros também estampou várias notícias no jornal, e reforça a importância da Folha na construção de um turismo de qualidade.

— A Folha informa e conscientiza o morador sobre a importância do turismo para a cidade, ao mesmo tempo em que reforça para o poder público que a cidade só é boa para o turista se for boa para o morador. Então, só me resta dizer parabéns, Folha dos Lagos, por ter se mantido em pé - revela Inês, lembrando que entre as muitas notícias publicadas pela Folha, a chegada da Bandeira Azul foi algo que a marcou de forma positiva. "Hoje eu gostaria de ver estampada uma manchete sobre 100% de ocupação da nossa cidade, com ela organizada, limpa, com muito lucro e alegria pra todo mundo” - contou.

UM JORNAL QUE ULTRAPASSA FRONTEIRAS

Embora seja um jornal com sede na cidade de Cabo Frio, em suas 6 mil edições a Folha dos Lagos ajudou a contar muitas histórias que ultrapassaram as fronteiras regionais. O professor, ambientalista, economista e deputado estadual Carlos Minc fez questão de reforçar a importância da Folha dos Lagos em várias causas de importância até estadual.

— Eu atuo há muitos anos na Região dos Lagos e sempre tive uma relação muito forte com a Folha. Nós, primeiro, trabalhamos para criar o Parque Estadual da Costa do Sol, com 10 mil hectares descontínuos, pegando seis municípios (Arraial do Cabo, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Búzios, Araruama, Saquarema). Foi o maior esforço de preservação da história da Região dos Lagos. Foi uma guerra porque tinha muita gente que se opunha, e o jornal deu grande cobertura e apoiou sempre. Em seguida veio a luta pela despoluição da Lagoa de Araruama, que teve vários componentes: primeiro, abrir e alargar o Canal do Itajuru, dragar, tirar as pedras, uma ponte mais ampla. Depois uma dragagem mais ampla, e um trabalho com as Prefeituras sobre a questão do lixo que contaminava a lagoa. O próprio Parque Estadual da Costa do Sol ajudou nesse processo porque preservou várias áreas contra a especulação imobiliária e ganhou uma vigilância maior. Depois veio o trabalho com a União Estadual dos Pescadores Artesanais (Uepa), com Chico Pescador e vários outros. Isso também gerou resistência porque alguns pescadores não queriam ficar um tempo sem pescar, e aí a Folha dos Lagos entrou na discussão mostrando que isso serviria para aumentar a quantidade e o tamanho dos peixes. Na luta pela questão do Porto de Arraial do Cabo havia aqueles que não queriam porto nenhum, e aqueles que queriam o porto para qualquer coisa, inclusive para petróleo, o que ameaçaria a reserva extrativista marinha federal de Arraial. Conseguimos uma intermediação da ministra na época, e demos uma licença para o porto, até para compensar a perda de empregos por conta da Álcalis, mas conseguimos um porto sem óleo e sem petróleo, um porto para comércio e logística, e que criou 800 empregos na região. E essa discussão também teve participação da Folha dos Lagos. Nem tenho como agradecer. Foi um reconhecimento muito grande, anos e anos das mais diversas lutas — revelou. 

Colega de Minc na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a deputada estadual Renata Souza também fez questão de destacar o papel da Folha na defesa dos direitos humanos.

— Ter um jornal como a Folha dos Lagos é muito importante. Quando nos formamos jornalistas, e aí eu me incluo porque sou graduada em jornalismo, o nosso código de ética prevê a defesa dos direitos humanos. E ter acesso à informação de qualidade também é um direito humano. É isso que Folha dos Lagos tem buscado em suas matérias. Que siga por mais 30 anos contribuindo para que o povo da Região dos Lagos possa ter voz e leia o mundo — contou.

Outro ator social que protagonizou diversas histórias reportadas nas páginas da Folha é o deputado federal Hugo Leal:

— Em tempos de globalização da informação e da desinformação, é fundamental o papel da imprensa local, papel que a Folha dos Lagos vem cumprindo tão bem ao longo dos anos. O compromisso com o jornalismo de qualidade e com a defesa dos interesses da Região dos Lagos e de sua população tornou-se a marca da trajetória da Folha dos Lagos, hoje uma referência, por sua longevidade e relevância, para a imprensa do interior do nosso estado. O jornalismo local merece ser cada vez mais valorizado por leitores, anunciantes, governos e autoridades públicas para fortalecer a pluralidade e a democracia.