FRAUDE NAS COTAS DE GÊNERO

Ações na Justiça podem resultar em cassação de 14 dos 17 vereadores de Cabo Frio

Além do processo aberto pelo Avante, outro, de autoria do PSD, segue tramitando a pedido do MP

6 MAI 2022 • POR Cristiane Zotich • 09h53
Caso Justiça decida pela cassação, configuração do Legislativo será alterada profundamente - Divulgação

Quatorze dos 17 vereadores eleitos em Cabo Frio em 2020 correm risco de perder o mandato por fraude à cota de gêneros, que é quando o partido usa mulheres como falsas candidatas para burlar a lei que obriga as legendas a terem, no mínimo, 30% do total de candidatos do sexo feminino. Duas ações que denunciam esse tipo de prática, ambas de 2020, tramitam na Justiça: uma impetrada por representante do Avante, e que corre em segredo de Justiça, e outra de autoria do Partido Social Democrático (PSD). Inicialmente, os dois processos podem afetar, diretamente, nove dos 17 vereadores que compõem a atual legislatura municipal.

Além de Vinícius Corrêa, Vanderson Bento, Oséias de Tamoios, Davi Souza, Léo Mendes, Carol Midori e Rodolfo de Rui, todos citados nominalmente na ação do Avante, também se tornaram alvo os vereadores Josias da Swell e Jean da Autoescola (junto com Rodolfo) na ação movida pelo PSD. No entanto, segundo advogados ouvidos pela Folha, caso a Justiça dê decisão favorável aos dois partidos autores das ações, além desses nove legisladores, outros cinco podem perder o mandato por conta da retotalização de votos, dando nova configuração à Câmara de Vereadores de Cabo Frio.

Esta semana, a cópia de uma suposta decisão da ação de investigação por fraude de cota de gênero movida pelo Avante ganhou os grupos de WhatsApp, gerando uma série de especulações. Uma delas dizia que a decisão decretava a impugnação de Vinícius Corrêa, Vanderson Bento, Oséias de Tamoios, Davi Souza, Léo Mendes, Carol Midori e Rodolfo de Rui. O documento, ao qual a Folha também teve acesso, informa que todos os réus apresentaram contestações à ação, mas o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ), além de ter rejeitado todas, requereu que “após apuradas as irregularidades das candidaturas apontadas; e, constatada a veracidade dos fatos, sejam cassados os mandatos dos impugnados, anulados os seus votos, cassados os registros das candidaturas, e eventual diploma, devendo ser procedida a uma nova totalização dos votos e recálculo do quociente partidário, com a definição de novos eleitos”.

A Folha apurou, no entanto, que o MP-RJ não impugnou nem cassou ninguém. Segundo advogado que teve acesso ao processo, mas pediu para não ser identificado, visto que a ação corre em segredo de Justiça, o órgão “apenas opinou no sentido do prosseguimento da ação”. Ele explicou também que embora haja uma expectativa sobre o julgamento desta ação, “ainda não dá pra saber quando ela vai para o TRE”. 

Há poucos dias o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) cassou dois vereadores de Rio das Ostras também por usar falsas candidaturas de mulheres nas eleições municipais. 

Sobre a possibilidade desta decisão influenciar no processo movido pelo Avante, o advogado disse que "cada caso é um caso, mas se forem semelhantes podem ser interpretados da mesma maneira, sim”. O mesmo vale para a ação que corre em paralelo a isso, da qual é autor o PSD, e que teve recente novidade em seu trâmite, frustrando o pedido de arquivamento do processo feito pelo atual presidente do partido, o ex-vereador Aquiles Barreto. O MP, alegando a gravidade dos fatos denunciados na ação pelo partido, manifestou-se contra a extinção desta e colocou-se como parte autora do processo. Com isso, a ação segue tramitando, estando agora em fase de produção de mais provas, até seguir para julgamento no TRE-RJ.

O QUE DIZEM OS ENVOLVIDOS

Procurados pela Folha, apenas os vereadores Oséias e Carol Midori enviaram nota. A assessoria de Oséias disse que ele ainda não foi notificado de nenhuma nova decisão do Ministério Público sobre o andamento do processo. Já Carol informou que “o MPE deu parecer com relação às preliminares”.

— O processo agora segue os trâmites para julgar o mérito. Estou ciente da decisão e vamos aguardar o julgamento do mérito para ver se vai haver necessidade de recurso. Sabemos que a justiça será feita e estamos tranquilos com isso — disse a vereadora.

REVIRAVOLTA NO PROCESSO DO PSD

Além do processo do Avante, que há meses vem tirando o sossego dos sete vereadores nominalmente citados na ação, a ação de que é autor o PSD, sobre o mesmo assunto, sofreu uma reviravolta importante na Justiça. Impetrada em 17 de dezembro de 2020, a ação foi iniciada pelo então presidente do partido, o ex-vereador cabo-friense Emanoel Fernandes. Em junho de 2021, o também ex-vereador Aquiles Barreto assumiu a presidência da sigla e pediu o arquivamento na justiça. Mas, há poucos dias, o MP se manifestou contra esse pedido e se colocou como parte autora do processo. 

A ação do PSD tem como réus diretos os vereadores eleitos Rodolfo de Rui, Jean da Auto Escola e Josias da Swell, além de outras dezenas de pessoas, entre elas Sheila Credijane Silva Felizardo. Ela é apontada como uma das supostas candidatas laranja. 

Na ação inicial, o partido relata que Sheila teve apenas um voto. Durante a campanha eleitoral, segundo os autos, ela não teria feito menção à sua candidatura nas redes sociais, nem declarado gastos de campanha. Além disso, teria pedido votos para o candidato Ralph Salvador, do Democracia Cristã (DC), partido coligado com o Solidariedade (SDD) na eleição majoritária. Na denúncia, consta ainda que a candidata esteve em viagem para a Bahia durante o período eleitoral, não tendo feito campanha. 

Para o partido, todas essas evidências, somadas ao fato de que além de Sheila, outra candidata coligada ao SDD, a Jô da Tatuagem, que não obteve um só voto na mesma eleição, demonstram fraude à cota de gênero, com o uso de falsas candidatas mulheres. Por conta disso, o partido pediu que sejam zerados todos os votos do SDD na eleição de 2020 e refeita a totalização dos votos e novo cálculo do quociente eleitoral, além da diplomação de novos candidatos.

Segundo advogados ouvidos pela Folha, essa possibilidade poderia dar ao PSD a chance de fazer entre dois e três vereadores (hoje o partido não tem nenhum representante eleito). Apesar de todas as provas anexadas ao processo, Aquiles Barreto, assim que assumiu a presidência do partido, pediu que a Justiça arquivasse o processo “por entender que não há fundamento fático para a continuidade do feito”. Não é o que pensa o promotor André Santos Navega. Este se posicionou contra o pedido de Aquiles, alegando haver “fundamentos fáticos e legais para a propositura da ação”.

— A gravidade da conduta descrita nas iniciais da peça processual é suficiente para que os fatos sejam mais bem apurados, sobretudo porque se tratam de questões com potencialidade de ofensa e fraude à cota de gênero, com indevida utilização de pessoas do sexo feminino tão somente para cumprimento da ordem legal estampada no artigo 10, parágrafo 3º da Lei nº 9.504/07 — declarou o promotor na ação.

A lei e o trecho citados pelo promotor estabelecem que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

Em seu pedido pela continuidade do processo, Navega alegou que a fraude à cota de gêneros vem sendo interpretada pela jurisprudência como espécie de abuso de poder, e também usou isso como justificativa contrária ao pedido de arquivamento feito por Aquiles. 

A Folha procurou Aquiles Barreto, mas ele não quis se pronunciar.

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Para melhor entender a prática de fraude à cota de gêneros, a Folha conversou com o advogado Caio Aded, que é um dos profissionais à frente do processo do PSD. Ele revelou que a ação segue tramitando, em fase de produção de mais provas, e que ainda este ano deve seguir para julgamento no TRE.

Folha – Em que pé está esta ação?

Caio – As ações estão na fase de produção de provas, mas acreditamos que a Justiça Eleitoral de Cabo Frio não irá demorar a proferir as sentenças.

Folha – Já teve alguma decisão (ou movimentação) no sentido de levar esse caso a julgamento no TRE, como aconteceu na última semana em Rio das Ostras? Acredita que esse julgamento pode acontecer em quanto tempo?

Caio – As ações julgadas no TRE já tiveram sentença na 1ª instância, e por isso estão em grau de recurso. Nos processos de Cabo Frio, ainda não tivemos a sentença de 1º grau, mas acredito que isso irá ocorrer nos próximos meses, ainda esse ano, com a consequente remessa dos autos ao TRE, em razão do provável recurso da parte derrotada. Lá, o trâmite costuma ser mais célere.

Folha – Em Cabo Frio existe outro caso exatamente sobre o mesmo assunto, mas que corre em segredo de Justiça. Acredita que um processo possa fortalecer o outro, ou isso não gera nenhuma influência?

Caio – Sim, existem outras ações versando sobre a mesma matéria. Por mais difícil que seja afirmar qualquer tipo de coisa, acredito, sim, que as ações possam fortalecer umas às outras. São procedimentos autônomos, com tramitação própria e independente, mas creio que esteja havendo um movimento forte do Ministério Público e do Poder Judiciário no sentido de coibir esta prática tão nociva ao processo democrático brasileiro, que é a fraude às cotas de participação feminina. Não vejo como coincidência tantas decisões, em todo país, determinando a cassação de chapas por conta de candidaturas “laranjas”, mas, sim, como um movimento de amadurecimento institucional brasileiro, com o intuito de garantir a efetividade das cotas de gênero.

Folha – O caso recente de Rio das Ostras, que teve 2 vereadores cassados na semana passada por fraude à cota de gênero, pode servir de jurisprudência para esta ação aberta pelo PSD?

Caio – Não só esse, mas diversas decisões de Tribunais de todo país, incluindo o Tribunal Superior Eleitoral. A jurisprudência consolidada no ordenamento jurídico brasileiro é no sentido de que, configurada a fraude à cota de gênero, deve-se proceder com a cassação da chapa.