As cicatrizes da cidade partida
RODRIGO CABRAL
Enquanto avançam a toque de caixa os desacertos do governo cabofriense, a cicatriz deixada por uma cidade partida fica cada vez mais latente. Não me refiro à dualidade entre morro e o asfalto, como fez o jornalista Zuenir Ventura em clássica análise sobre os problemas urbanos da capital do estado, mas sobre as consequências do exercício político sob o signo do embate entre grupos antagônicos – um embate inteiramente pragmático; nada ideológico; um embate de espaços, de mando, de ocupação do poder; nada sustentável.
Falei, na coluna da semana passada, sobre o recente processo de “futebolização da política nas redes sociais”. Mas, em Cabo Frio, já assistimos há muito tempo um Fla x Flu decadente, um espetáculo sem brilho, sem arte, sem craques e com muita firula – que, ao sabor da modernidade, também sai das esquinas, vielas e bares para as plataformas digitais. É verdade que somos personalistas por natureza. Apegamo-nos a pessoas; não a coisas. Lembramo-nos mais das pessoas, menos das ideias. Ora, qualquer desavisado conhece Sócrates, Marx, Freud, Einstein. Mas... o que disseram?
Há, entretanto, por aqui, uma personalização sistêmica da política através desta disputa – o que não é exclusividade de Cabo Frio, mas é algo que, por ter colocado o município num anestésico berço esplêndido à espera de salvadores da pátria, merece ser execrado justamente em um momento de crise.
Momento de crise, aliás, para o qual poderíamos ter nos preparado muito melhor se parcela da sociedade não padecesse da síndrome das resoluções prontas e rasteiras como: “culpa disso é de Fulano; só vai melhorar com Beltrano”, não raro seguido do desafio do oponente com sangue escorrendo pela boca: “nada disso, na época de Beltrano era muito pior, você reclama porque não tem portaria”. Fulano e Beltrano têm nome e sobrenome: Marquinho Mendes e Alair Corrêa. Muitas são as suas diferenças, mas há entre eles uma grande semelhança: nenhum dos dois deixou um grande legado a ser desfrutado a longo prazo por Cabo Frio; nem mesmo no turismo, o que seria o mais lógico, nem mesmo na valorização do vasto patrimônio histórico e cultural de uma senhora cidade de 400 anos.
É o resultado de políticas públicas imediatistas, de olho nas eleições seguintes, e da administração pública formada por compadres – sob aplausos e vaias do eleitor-torcedor. Aos 400 anos, Cabo Frio precisa se emancipar de si mesma: deixar para trás a sina da cidade partida, sinônimo de atraso, e se unir por um futuro verdadeiramente digno.