A Prefeitura de Saquarema não pode mais conceder ajuda financeira somente a universitários que residam na cidade. A decisão é da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgou a ação de um estudante que teve negado, pela justiça local, o direito a uma bolsa de estudos concedida pelo governo municipal através do programa “Conexão Universitária”.
De acordo com matéria publicada na edição impressa da Folha deste fim de semana, ano passado a Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Inclusão, Ciência e Tecnologia da cidade anunciou mais de mil bolsas integrais para cursos de ensino superior nas universidades de Vassouras, Estácio de Sá, Anhanguera, Veiga de Almeida e Fundação Educacional Serra dos Órgãos. O benefício é concedido através do Programa Conexão Universitária, custeado exclusivamente com verba pública municipal. Mas para ter direito ao benefício, o candidato deveria comprovar ser morador de Saquarema há, no mínimo, cinco anos.
Ao se inscrever no programa, um estudante (que não teve o nome identificado) não conseguiu comprovar tempo de residência e, por isso, teve o benefício negado. Ele, então, acionou a justiça, mas a 2ª Vara de Saquarema deu razão à Prefeitura. Inconformado, o universitário recorreu e o caso foi parar no STF, que declarou inconstitucional a exigência de tempo de moradia feito pelo governo municipal, e acatou o pedido de bolsa de estudos feito pelo estudante.
A ação foi julgada em duas sessões. Na primeira foram a favor do estudante os ministros Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Luiz Fux. Em suas defesas, ambos alegaram que ao conceder bolsa de estudos somente a moradores de Saquarema, a Prefeitura estaria infringindo o inciso 3 do artigo 19 da Constituição (que proíbe que municípios, estados e União criem distinções entre brasileiros). E que a exigência de tempo de residência para acesso ao auxílio financeiro configura uma barreira injustificada. Já o ministro Flávio Dino votou a favor do governo municipal.
Após pedir vista do processo, o ministro Alexandre de Moraes votou na última semana. Em seu discurso, ele também usou o inciso 3 do artigo 19 da Constituição, e ainda o artigo 165, parágrafo 10 (“a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade”) para defender o programa de ajuda de custo de Saquarema.
– Há um edital nº 10/2023, da Secretaria Municipal de Educação, que prevê a concessão de bolsa de estudo do programa Conexão Universitária. Lendo o item 5.2 (sobre a exigência de comprovante de residência mínimo de cinco anos), não se trata, como nós já julgamos em outras hipóteses, de previsão de ação afirmativa: a reserva de vagas só para os munícipes. Aqui, o que se trata é uma política pública, de incentivo àqueles que moram na residência, de uma bolsa financeira para auxiliar o estudo. Eu fiz uma pesquisa para verificar que isso vem sendo utilizado para incentivar os munícipes a continuarem estudando no próprio município, revertendo seus ensinamentos pr’aquela sociedade local. Há previsões idênticas em Taubaté (SP), João Pessoa (PB), Córrego Fundo (MG), Goiás, Pernambuco, ou seja, em diversas cidades do Brasil. E no caso de Saquarema, nem se fala em alguém que sempre teve residência, mas pelo menos nos últimos cinco anos. É uma norma muito semelhante à do domicílio eleitoral. Ninguém está impedindo de ter essa bolsa, mas para ter direito ao benefício deve se mudar cinco anos antes. Essa é a questão - disse o ministro Alexandre de Moraes, negando que haja qualquer distinção entre brasileiros, e manifestando voto a favor da bolsa de estudo somente para moradores de Saquarema.
Embora já tivesse votado, Flávio Dino pediu uso da palavra para, mais uma vez, defender o programa municipal, e rebater os votos dos outros três ministros.
– Quando fui governador (do Maranhão) propus, e a Assembleia do meu estado aprovou, um programa similar, que lá se chamava “Cartão Transporte Universitário”. Era uma forma de estimular que os estudantes, que moravam em cidades vizinhas às cidades universitárias, pudessem se deslocar. Qual era um dos requisitos? O estudante tinha que morar no Maranhão porque eram recursos estaduais. Eu não poderia custear, com recursos dos contribuintes do meu estado, um estudante de outro estado. Isso cabe à União, ou àquele estado (onde mora o estudante). Então não considero que houve qualquer violação do artigo 19 da Constituição. E se nós dissermos que o município de Saquarema irá pagar bolsas para munícipes de Niterói, de Nova Iguaçu ou de Volta Redonda, é claro que o município de Saquarema vai acabar com o programa, até porque poderá, adiante, ter suas contas rejeitadas, ou quem sabe, uma ação de improbidade por estar destinando arrecadação tributária própria, do município, para custear cidadãos de outros entes federados - defendeu o ministro Flávio Dino. Procurada, a Prefeitura de Saquarema não se pronunciou.