quarta, 05 de fevereiro de 2025
quarta, 05 de fevereiro de 2025
Cabo Frio
24°C
Magnauto
Magnauto site
POLÊMICA EM CABO FRIO

Serginho pede que população evite esmolas a moradores de rua de Cabo Frio e recebe críticas

Psicólogo critica discurso do prefeito sobre assistência social e políticas para pessoas em situação de rua

04 fevereiro 2025 - 18h02Por Redação
Serginho pede que população evite esmolas a moradores de rua de Cabo Frio e recebe críticas

Ainda segue rendendo assunto a audiência pública que o governo municipal de Cabo Frio promoveu na última semana sobre ordenamento do bairro Braga. O objetivo era reunir moradores do local para debater assuntos como coleta de lixo, infraestrutura e o combate a ferros-velhos clandestinos, usuários de drogas e pessoas em situação de rua. Durante cerca de 40 minutos, o prefeito Serginho Azevedo ouviu e anotou questionamentos feitos pelos participantes. Mas quando começou a discursar, um dos assuntos não foi bem recebido.

Quase no final da audiência, Serginho chamou a atenção de pessoas que costumam fazer caridade e ajudar pessoas em situação de rua com doação de dinheiro.

– Eu mesmo dei dinheiro várias vezes mas, gente, não façam mais isso. Não acomodem as pessoas nessa situação. Por que eu estou dizendo isso? Porque essas pessoas não ficarão sem ter o que comer. Nós temos a assistência social para assegurar que todos tenham alimentação. Não estimulem a pessoa a se acomodar em situação de rua. Não façam isso - disse o prefeito, pedindo que igrejas e entidades que costumam doar comida se juntem à assistência social do governo para uma ação conjunta. O discurso arrancou aplausos, mas também protestos e vaias de parte do público presente no encontro. 

Uma das pessoas a confrontar o discurso do prefeito Serginho foi o psicólogo Nathan Barbosa, que há 10 anos atua com políticas de assistência social e pessoas em situação de rua, e que já foi voluntário em projetos de distribuição de comida e cobertores durante a pandemia.

– Estive presente durante toda a audiência. O momento específico do “não façam isso”, referindo-se à esmola, foi dita pelo prefeito no contexto de uma crítica às ações de caridade e o papel das igrejas com as pessoas em situação de rua. Foi uma postura que nitidamente propôs desincentivar a população de ajudar pessoas em situação de rua, sob o velho argumento de que essas ações (um prato de comida) deixariam as pessoas cômodas nas ruas - revelou Nathan em conversa com a Folha.

Segundo ele, negar esmola ou prato de comida não resolve o problema. “É urgente aumentar a estrutura de trabalho das equipes técnicas do município. Na assistência social e na saúde, é preciso mais psicólogos, assistentes sociais, médicos e enfermeiros com condições de trabalho para acompanhar as pessoas em situação de rua”, revelou. No entanto, segundo Nathan, “atualmente se vê o protagonismo de cargos comissionados e políticos sem qualquer amparo técnico, achando que uma boa intervenção é retirar pertences de pessoas, coloca-las em ônibus e outros absurdos que demonstram a cooptação dos órgãos públicos para aumentar capital político pessoal”.

Segundo Serginho, todas as pessoas em situação de rua que vivem em Cabo Frio estão devidamente cadastradas. “Nós fizemos um censo. Quando assumimos o governo havia 250 pessoas em situação de rua cadastradas, mas nosso censo real e efetivo mostra que são 478 pessoas. Destas, nossa assistência social já encaminhou 60 de volta à família, em outro município. Mas é como se não tivéssemos resolvido nada porque todas as outras continuam fazendo um movimento cíclico”.

– Se a pessoa for de Cabo Frio, vamos encaminhá-la ao trabalho. E aquele que não for cabo-friense, eu vou levar pra fora de Cabo Frio. Mas não vou fazer de qualquer maneira, nem usando a força. Mas fazendo como já temos feito, dentro do processo de tratamento, reencaminhando-o para a família. Quem não é de Cabo Frio eu não vou acolher, mas vou tratar para que ela possa voltar pra casa. Andando na madrugada e conversando com algumas pessoas, soubemos de pessoas que foram trazidas pra cá, deixadas na rua, e não sabem nem em que cidade estão. Municípios que estão trazendo pessoas em situação de rua e dependentes químicos para nossa cidade para se livrarem do problema. E nós vamos tratar o problema - prometeu.

Serginho também anunciou que vai retirar a sede do CAPs do Braga, e o abrigo (casa de passagem) de São Cristóvão, por serem próximos aos dois pontos de venda de crack na cidade (Morubá e Manoel Corrêa). Com relação ao abrigo, falou que o governo já está em busca de um novo lugar, “próximo à zona rural, que seja mais acolhedor e que propicie, inclusive, tratamento terapêutico, psicológico, psiquiátrico, do CAPs, e que a pessoa possa trabalhar, se ela quiser”. O prefeito também sinalizou como positiva a sugestão de criar uma Comunidade Terapêutica dentro do abrigo municipal.

Após a audiência, Nathan lançou, na internet, um abaixo-assinado com o objetivo de “impedir o retrocesso contra pessoas em situação de rua”. O documento (disponível no site www.change.org) já reúne cerca de 250 assinaturas (a meta é chegar a 500). Nele o psicólogo afirma que a casa de passagem não pode ir para uma área rural.

“O objetivo de nossa tipificação nacional é fortalecer vínculos familiares, construir autonomia e permitir que ocupem a cidade de forma digna. Numa zona rural, a dependência da Prefeitura se tornará ainda maior, de forma que esta localização só servirá para tirar a pobreza dos olhares alienados de quem não deseja vê-la. Nossa tipificação nacional não indica comunidades terapêuticas. Apesar do prefeito não ter dito este nome, a descrição dos serviços da nova casa de passagem na zona rural apontam a possibilidade de uma comunidade terapêutica que não faz parte do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Nossa população vem debatendo os absurdos cometidos nesses espaços e o Brasil já decidiu que não vamos assimilar esta proposta nas nossas políticas públicas” - cita Nathan em um dos trechos do abaixo assinado.

– Essa gestão está preferindo atender os anseios de limpeza social e criminalização da pobreza presentes em alguns segmentos da sociedade que estão distantes da compreensão sobre o que leva as pessoas ficarem nas ruas. É preciso ter espírito público para mostrar que a pobreza não é um problema moral, como falta de vontade de sair das ruas, tampouco a pobreza é sinal de criminalidade. Eu presenciei um discurso belicoso em que se supõe que pessoas em situação de rua são perigosas e, na audiência, o medo apareceu como pretexto para justificar ações que violam direitos e princípios éticos básicos. Não é possível esperar da população uma compreensão global sobre a pobreza, então é responsabilidade do poder público conscientizá-la. A população pode ajudar cobrando um manejo ético e humano do problema, focando na origem e não criminalizando quem está nas ruas - pontuou o psicólogo, que criticou também a forma como o governo vem atuando na questão do combate ao uso de drogas no bairro Braga. “Atualmente a gestão municipal está privilegiando as ações instagramáveis, isto é, as ações que permitem vídeos para redes sociais, normalmente protagonizados pelo atual secretário. Através desses registros, é possível testemunhar uma atuação preocupante. A atual gestão está associando a assistência social com órgãos de segurança pública, crendo ser necessário um choque de ordem que é uma verdadeira degeneração da política nacional de assistência. Isso passa a impressão de que a atual gestão vê na pessoa em situação de rua um potencial criminoso, um discurso muito repetido na audiência pública” - avaliou.