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MEMÓRIA 406 ANOS

Sebastião Lan: símbolo da luta pela reforma agrária 

Folha relembra trajetória de agricultor e líder sindical morto em meio à disputa de terras entre camponeses e latifundiários no Segundo Distrito

15 novembro 2021 - 14h36Por Rodrigo Branco

Se Sebastião Lan dá nome ao mercado municipal que hoje é alvo de polêmica entre a Prefeitura e a Câmara Municipal, que discordam sobre o modelo de gestão a ser adotado no espaço, o fato é que nem todos conhecem a história do agricultor e líder sindical que foi figura de proa na luta pela reforma agrária, na região de Campos Novos e de São Pedro da Aldeia, nos idos dos anos 1980. Sua posição e participação no movimento de luta pela posse da terra acabaram por torná-lo vítima de um atentado, no qual ficou gravemente ferido e morreu em 11 de julho de 1988, quando estava prestes a viajar para Brasília para entregar um relatório ao então ministro da Reforma Agrária do governo José Sarney, Jáder Barbalho. 

No entanto, os conflitos de terras que opunham trabalhadores rurais e latifundiários estavam longe de ser novidade naquele período de redemocratização recente no país. O historiador e coautor do livro ‘História de Cabo Frio – dos sambaquieiros aos cabo-frienses (c. 3.720 a. C. – 2020)’, pela Sophia Editora, José Francisco de Moura, o Professor Chicão, observa que o Brasil tem um problema estrutural referente à posse da terra que remonta aos tempos da monarquia, ainda no século 19.

Chicão lembra que a Lei de Terra assinada pelo imperador dom Pedro II em 1850 acentuou os conflitos agrários no país. Segundo o pesquisador, terras foram invadidas, poderes de coronéis reforçados e a demanda crescente por áreas agrícolas por parte de pequenos agricultores criou um caldeirão que ferve até hoje.

– Cabo Frio não ficou fora do problema e desde o início do século 20, a cidade vivenciou diversas fraudes cartoriais e expulsão de posseiros por parte de chefes políticos locais. Nesse contexto, Sebastião Lan foi apenas mais uma vítima da história sangrenta que envolve grileiros e posseiros no interior do país – explica.

Nascido no Espírito Santo em 23 de setembro de 1942, Sebastião Lan mudou-se para o município de Silva Jardim, aos 18 anos. Na cidade, trabalhou em carvoaria e em plantações de banana. Também foi no município que Sebastião conheceu Aquiles Lan, que foi sua companheira até a morte. A chegada a Campos Novos acontece em 1968, tempos antes da publicação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que coincidiu com o período de maior repressão da ditadura militar, iniciada quatro anos antes.

Àquela altura, já existia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo Frio, fundado em 1961, no contexto das reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart. A pesquisadora Gessiane Nazário lembra que quando Sebastião Lan chegou à região de São Pedro já existia uma mobilização entre os trabalhadores camponeses de Botafogo e Caveira. 

Segundo a professora, a integração de lavradores que vieram de fora, caso de Lan, foi uma estratégia importante para dificultar a ação de expulsão pelos fazendeiros. Afinal, a possibilidade de resistência era maior conforme a maior concentração de trabalhadores rurais na luta. Parte dessa história foi relatada à pesquisadora pelos moradores mais velhos do Quilombo da Caveira enquanto escrevia a tese de doutorado em Educação defendida na UFRJ, no ano passado, sob o título ‘O desafio da mudança: Educação Quilombola e luta pela terra na comunidade da Caveira’. 

– Cabe mencionar outras pessoas que também são importantes na luta pela terra como dona Rosa da Farinha, Sílvio dos Santos, Afonso dos Santos e muitos outros que já estavam organizados na luta pela terra antes de Lan chegar e que dificilmente são lembrados na história oficial do município. É necessário romper com esses silenciamentos sobre as histórias de luta dessas pessoas. Como exemplo disso, podemos citar que, em Cabo Frio, há uma rua com o nome de um delegado que foi um aliado dos fazendeiros para reprimir os trabalhadores rurais durante os anos de conflito. Dificilmente encontramos nomes de rua e monumentos que honrem a memória desses que lutaram por justiça – observa ela, que integra o Coletivo de Educação da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Brasil (Conaq) e a Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj).

A chegada de Sebastião Lan à região coincide com um momento de grande tensão, em razão das disputas envolvendo grileiros, jagunços e lavradores. Com os militares no poder em Brasília, os sindicatos também eram perseguidos. Apenas no começo dos anos 1980, já no fim do regime e no período pós-anistia, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo Frio, fechado pelos militares, passa por um processo de reorganização, com Lan na presidência e no protagonismo do processo.

Em 1983, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desapropriou  as terras da Fazenda Campos Novos para dar lugar a um assentamento. Entretanto, a intervenção foi insuficiente para pacificar os ânimos, uma vez que o órgão passou a dar títulos provisórios de propriedade, sem valor jurídico, tanto aos antigos lavradores quanto aos grileiros, o que só fez aumentar a situação e incentivar novas invasões de terras.

Àquela altura, Lan já se destacava no enfrentamento aos latifundiários e grileiros, denunciando as invasões. Sua trajetória se encerrou aos 46 anos quando foi emboscado em um ponto de ônibus na Rodovia Amaral Peixoto. Atingido por seis tiros, morreu cinco depois. O grande proprietário rural libanês Jamil Miziara foi indiciado como mandante do crime, mas o caso acabou arquivado. Apenas os executores foram condenados à prisão. 

A morte de Lan não amenizou os conflitos rurais pela posse de terras, mas sua trajetória inspirou uma geração de cabo-frienses na luta por justiça social, como observa a memorialista Meri Damaceno, que chegou a entrevistar para um de seus livros Rosa da Farinha, uma das precursoras do sindicalismo rural na região do qual o agricultor foi herdeiro.

– Ele foi um homem incansável, brilhante, aguerrido e destemido. Enfrentou todo mundo de frente. Não se acovardou em momento algum em defesa da reforma agrária, em defesa das terras de Cabo Frio, das terras de São Pedro da Aldeia, do agricultor e dos próprios feirantes. Infelizmente, no auge da briga e das conquistas, ele foi brutalmente assassinado. Ele foi primordial para luta agrária, um ícone para a minha geração. Um cara que sempre tem que ser respeitado e lembrado não só por Cabo Frio, mas por todo região, quiçá pelo Brasil. A luta não terminou, é todo dia. A reforma não saiu do papel – opina.