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MEIO AMBIENTE

Resort em São Pedro da Aldeia é alvo de denúncia ambiental no MPF

Mais uma vez governo aldeense e Inea também são apontados como possíveis facilitadores dos supostos danos ambientais

16 julho 2024 - 10h50Por Redação
Resort em São Pedro da Aldeia é alvo de denúncia ambiental no MPF

A construção de um resort de luxo na área da Salinas Ponta D’Água, no bairro Praia Linda (próximo à Ilha do Boi), em São Pedro da Aldeia, foi parar no Ministério Público Federal. A denúncia foi protocolada pelo ambientalista Lucas Müller em representação ao mandato do deputado estadual Flávio Serafini (Psol). O documento que a Folha teve acesso revela suposta construção em Área de Proteção Permanente, Faixa Marginal de Proteção (FMP) da Lagoa de Araruama) e Área de Especial Interesse Ambiental, “com possível facilitação dos poderes executivo estadual e municipal ao empreendimento”, que também são alvos da denúncia.

A página do empreendimento na internet revela que ele será composto de resort com hotel quatro estrelas em design europeu moderno e 34 quartos; centro náutico de esportes como vela, kitesurf, windsurf e esqui aquático; exclusiva Lagoa de Cristal com parque aquático de aproximadamente 10 mil m² de lazer e praias paradisíacas; serviços de bem-estar com wellness e SPA completo e alta gastronomia com cinco restaurantes diferentes, bar na cobertura, 500m² destinados à ocupação de lojas, e apenas 12% do terreno com áreas construídas. “Trata-se de um divisor de águas na história de São Pedro da Aldeia”, revela o site.

Responsável pelo projeto, a Nedport Empreendimentos Ltda é uma subsidiária da Nedport Corp B.V., empresa holandesa de incorporação imobiliária que se apresenta com “foco principal em soluções de hospedagem relacionadas à hotelaria”, e cita como exemplo o desenvolvimento de vários hotéis e projetos residenciais na Holanda.

Na denúncia, o assessor do deputado revela que o Governo do Estado, através da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEAS) e do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), está realizando a dragagem do Canal do Itajuru, e que todo o material dragado (areia de fundo) está sendo usado na engorda de praias pelas prefeituras do entorno da Lagoa de Araruama. Relata ainda que em São Pedro da Aldeia as engordas foram realizadas em diversos pontos, “e suas irregularidades denunciadas a este órgão federal sob o nº 20230074788”. 

No caso da área no resort de luxo, a denúncia revela que, de acordo com a Lei Municipal Nº 1.828/2005, ele está inserido na Área de especial Interesse Ambiental (AEIA), e na Área de Especial Interesse Salineiro (AEISAL), e que durante visita realizada no último dia 27 de junho “foi possível notar a total descaracterização paisagística, física e biológica da área da Salinas Ponta D’Água, com invasão da Faixa Marginal de Proteção de Lagoa de Araruama em prol do empreendimento, onde visivelmente houve o aterramento dos marnéis (de acordo com a marcação oficial do INEA)”.

– O processo de aterramento dos marnéis na área da Salinas Ponta D’Água foi iniciado em 2023, assim como a abertura de ruas de acesso no interior do terreno, contrariando a Lei Municipal nº 1.828/2005. Nas imagens temporais obtidas no aplicativo Google Earth Pro é possível ver o terreno original, antes das intervenções. É notório que a área era passível de alagamentos advindos do movimento de marés, onde no passado era uma salina. E de acordo com o art. 2º da deliberação CECA nº 442/1983, “há obrigatoriedade de demolição dos diques, marnéis e outras estruturas abandonadas das extintas salinas, de forma a reintegrá-las à Lagoa de Araruama”.  

Em outro trecho, a denúncia cita a Lei Estadual Nº 1130/87, que define as áreas de interesse do Estado, e determina que uma faixa de 300 metros ao redor de lagos, lagoas e reservatórios “é considerada área de interesse especial”, sendo a medição iniciada a partir da orla definida no Plano de Alinhamento de Orla de Lagoas (PAL), algo que não estaria sendo respeitado pelo empreendimento.

– Temos visto a Prefeitura de São Pedro sendo reincidente, a todo momento, nesta questão ambiental. No final de 2022 o governo municipal iniciou a engorda de algumas praias do município com o material proveniente da dragagem do Canal do Itajuru, e realizou a abertura de uma rua em cima da FMP da Lagoa, no bairro Baixo Grande, já com recomendação de desfazimento pelo MPF. A mesma prática foi aplicada a outro empreendimento, na Praia das Pedras de Sapiatiba, onde possivelmente também houve utilização do material proveniente da dragagem do Canal de Itajuru para realizar o soterramento das salinas, assim como a engorda de praia que gerou posterior utilização da Faixa Marginal de Proteção da Lagoa de Araruama em prol do empreendimento, com abertura de uma rua. Além disso, em janeiro deste ano o governo realizou uma audiência pública para apresentar a proposta de alteração da lei de uso e ocupação do solo e zoneamento, mas o processo foi suspenso devido à falta de clareza quanto aos impactos sociais e ambientais, além do clamor popular de vários segmentos da sociedade aldeense. No entanto, o empreendimento continua suas atividades em desacordo com as leis federal, estadual e municipal vigentes - informou Lucas.

A Folha tentou contato com a Prefeitura de São Pedro, Inea, e responsáveis pelo resort de luxo, mas não houve retorno até o fechamento desta edição. Através do site, no entanto, o empreendimento revela que todas as licenças ambientais e de construção já foram devidamente emitidas, e que muitos estudos estão sendo conduzidos “como alinhamento com as necessidades do mercado, pesquisa de preço e qualidade, verificação ambiental e de construção”. Revela ainda que “assim que os preparos de construção estejam completos, e 70% das casas vendidas, a construção das casas terá início com a colocação da pedra de fundação”, mas não deu nenhum prazo.

Em outro trecho, o site informa que a proposta do projeto assegura que nenhum resíduo de esgoto será escoado para a Lagoa, explica que os dejetos serão conectados ao sistema da Prolagos, “que tem uma estação de tratamento próxima ao resort”, e revela que “o público contará com sinalizações específicas sobre os serviços de manutenção da limpeza e conscientização da coleta seletiva de resíduos”.

Mesmo assim, a denúncia busca respostas para diversas questões, entre elas a titularidade da área do empreendimento; quais parâmetros foram usados para essa expansão; qual a explicação do governo municipal aldeense sobre as autorizações que conflitam com as leis municipais e quais estudos embasaram a emissão das licenças.

– Também solicitamos a licença da movimentação de terra realizada no terreno desde o início das atividades, assim como a origem do material utilizado na intervenção; as licenças que permitiram o aterramento dos marnéis; o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento; as compensatórias ambientais emitidas para a construção do empreendimento; a ata de reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente que discutiu e aprovou o empreendimento em questão; o parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal de São Pedro da Aldeia à emissão das licenças pertinentes ao empreendimento, assim como as alterações ambientais da área, e documento comprobatório sobre o saneamento da área em questão - explicou Lucas Müller.