As belezas naturais, a cultura e a história da Região dos Lagos não aquecem somente o turismo. Um outro mercado, o de produção audiovisual, também tem encontrado espaço para crescer embalado pela demanda por conteúdo autêntico de visual encantador. Profissionais da área apostam em cenários deslumbrantes e até mesmo mergulham na poesia e nas histórias locais para capturar a essência da região enquanto enfrentam os obstáculos do ofício.
Um dos produtores que estão investindo nesse segmento é Felipe Cardoso. Segundo ele, mesmo com todos os desafios e pouquíssima injeção de capital na área, a produção audiovisual sobrevive com incentivos como os editais de cultura.
– Em Cabo Frio a falta de vontade é nítida. Temos aí uma Secretaria (de Turismo) que não tem um vídeo vitrine da cidade, associações de turismo que não têm material decente para promover a cidade. Mesmo sabendo que há retorno, preferem sobreviver dos três meses de verão, época que ninguém precisa promover Cabo Frio. Além de servir como vitrine da nossa região, esse material tem um valor imaterial riquíssimo pra própria gente local. Um indivíduo que conhece seu lugar, que conhece suas tradições e de onde veio consegue ter uma noção de identidade muito mais construída, acaba se sentindo parte de algo maior. Hoje quem tem levado a imagem da cidade para fora são os criadores de conteúdo de internet, perfis que divulgam destinos de viagem. Porém, acaba ficando algo, muitas vezes, superficial. Ainda falta aquele carinho de uma produção pensada, roteirizada, filmada. O problema é que é caro, e quem tem pra investir prefere botar 50 pessoas dentro de uma casa – relatou.
Para Guto Madeira, “não tem como não pensar em deixar um legado enaltecendo essas histórias”
– Falar sobre produções aqui tem um significado muito expressivo porque a região, historicamente, fala por si só. Se formos relacionar essa questão da história e da tradição, elas andam juntas nessa forma de enaltecer e valorizar a cultura local, daquela cidadezinha de interior, aquela coisa da vida do pescador, dos salineiros, da restinga com a duna, com essa praia maravilhosa, o sol que tem aqui, a e beleza do amanhecer e do entardecer também. São poucos lugares no mundo que têm isso – explicou Guto.
Outro foco é trabalhar a valorização da região pelo audiovisual de forma a atrair mais investimentos e turismo. Isso, no entanto, tem prós e contras, avalia Douglas Lopes.
– É muito comum a viralização de vídeos e fotos de belezas naturais e patrimônios históricos. Mas isso gera impactos bons e ruins. O ruim é que às vezes viraliza um lugar, e no outro dia ele amanhece lotado de gente, lixo, as pessoas colocam som alto… Acaba gerando um turismo predatório em um lugar que antes era curtido de uma forma mais interessante e tranquila. E a questão de investimento no turismo acaba tendo que passar por esse ponto de conseguir manter o equilíbrio: mostrar as belezas naturais, mas também impedir que o turismo predatório chegue dessa forma. – explicou Douglas.
Guto concorda:
– Há 10 anos atrás o que era Arraial do Cabo? Ainda era uma cidadezinha pequenininha que poucos conheciam. Aí, com esse boom da internet, aquela prainha lá no Pontal da Atalaia está lotada”. O audiovisual pode sensibilizar que a praia é maravilhosa, mas que é necessário estar ali preservando para que todos possam usufruir. É necessário que quem vem de fora saiba aproveitar a praia da melhor forma, tenha esse carinho de levar o seu lixo de volta. Então, falar de turismo, falar de investimento, falar dessa valorização sem falar de audiovisual rompe uma barreira de comunicação com o telespectador, com o turismo, com a renda que vem junto, movimentando a cidade – explicou Guto.
Ambos também concordam que o processo de criação passa por um cuidadoso, detalhado e demorado trabalho de pesquisa.
– Existem várias técnicas que precisam ser elaboradas para a gente falar de uma temática específica. Por exemplo, eu tenho um filme que se chama ‘As Margens’ onde falo sobre as margens do nosso litoral e ecossistema. E o filme brinca com essa questão de uma linguagem poética, imagens cinematográficas absurdas e que foram aproveitadas de um acervo de mais de 10 anos.
Mas nem só de belezas naturais, cultura e história vive a produção audiovisual na região. Um outro segmento, o da literatura, também tem aberto caminhos. Guto e Douglas, por exemplo, são parceiros da Sophia Editora na missão de traduzir em vídeo trechos de obras literárias.
– Pela Sophia fizemos duas gravações até agora. Gravamos, por exemplo, no Forte São Mateus, o poema do Rodrigo Cabral (“moleques do peito solar”, que faz parte do livro “refinaria”). Ele mostra os meninos pulando. É algo que marca a nossa infância, e gravar isso, de uma forma tão íntima, com o poema dele falando sobre os moleques, foi especial – contou Douglas.
Guto também prepara um vídeo poema em parceria com Rodrigo Cabral. Ele já gravou vídeos com outros escritores, como a poeta Liana Turrini.
– Com a Liana Turini, por exemplo, a gente foi para dentro da restinga, na Praia do Pontal. Fizemos uma caminhada lá que foi um negócio absurdo. O açude ali, com aquela água, com aquela coisa ali da lagoa, dá um frescor, um negócio que é só sentindo mesmo. Ao mesmo tempo, fui com pescadores na Ilha do Papagaio, e mergulhei 10 metros de profundidade, em um mar isolado. Recentemente a gente está construindo um filme sobre quilombos com a pesquisa do Pierre de Cristo, historiador. No domingo a gente fez uma entrevista com o Bruno, que saiu do quilombo criança. Não tinha luz, ele estudava em casa através de lamparina, andava mais de duas horas para pegar um ônibus para chegar na escola. Hoje em dia o cara vai fazer mestrado, já rodou um mundo estudando biologia. Na hora que ele abriu a boca eu não me contive, comecei a chorar porque é uma coisa tão real, tão sentida... – conta.