Anunciado em 14 de janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro no valor de R$ 1.045, o salário mínimo brasileiro é, historicamente, uma espécie de termômetro para medir a saúde financeira e popularidade de governos. O governo procurou corrigir a defasagem do valor deste ano antes fixado na medida provisória editada em 31 de dezembro, que havia sido de R$1.039, ficando abaixo da inflação (-0,4%), assim como ocorreu nos anos de 2018 (-0,2%) e 2017 (-0,1%). Mas a pergunta que a maioria dos brasileiros se faz todo ano é: por que os ajustes são tão pequenos?
O desejo popular, claro, é de que o mínimo fosse, pelo menos, o dobro do valor atual. Mas será que isso é realmente impossível de acontecer?
Apesar de parecer pegadinha de 1º de abril, Dia da Mentira, já houve na história o dia em que o salário mínimo, sim, dobrou. No 1º de maio de 1954, o então presidente Getúlio Vargas anunciava ao Brasil, numa solenidade comemorativa do Dia do Trabalhador, a maior elevação na história do salário mínimo, de Cr$ 1.200 (mil e duzentos cruzeiros) para Cr$ 2.400.
A notícia, que pegara a muitos de surpresa, causou convulsão social e política no país. A medida, adotada um ano depois de um pequeno reajuste retirar o mínimo de um congelamento que se arrastava desde 1943, provocou forte reação do empresariado e dos meios políticos.
CONTEXTO HISTÓRICO
Nos anos 1950, nem Vargas nem o Brasil eram os mesmos dos anos 1930. O presidente tentava implementar sua política trabalhista e de desenvolvimento econômico de cunho nacionalista, encontrando forte resistência no Congresso e nas Forças Armadas.
No início de 1954, o alto custo de vida e a inflação começavam a gerar instabilidade no governo. A situação desagradava a classe média, mas afetava mais gravemente os trabalhadores, que, no primeiro semestre de 1953, haviam protagonizado uma série de lutas que resultaram numa greve de 300 mil pessoas em São Paulo.
O contentor da pressão popular sobre o governo de Vargas foi o jovem João Goulart, escolhido pelo presidente, em junho de 1953, para assumir o Ministério do Trabalho, dentro de uma reformulação ministerial que levou também Oswaldo Aranha para o ministério da Fazenda.
Na visão de Vargas, Jango, como era conhecido, teria o poder de melhorar a imagem do governo com os trabalhadores, visto o bom trânsito que possuía entre as lideranças sindicais. E Aranha, por sua vez, defendia a estabilização econômica a partir de um programa anti-inflacionário.
Assim, 1954 abria suas portas com fortes pressões da classe trabalhadora pelo aumento do salário mínimo. E corriam nos bastidores que Goulart estava disposto a ceder à vontade popular, concedendo aumento de 100% no piso nacional.
A resposta a esta intenção veio na forma do que ficou conhecido como Manifesto ou Memorial dos Coronéis, assinado por 82 militares e divulgado em fevereiro daquele ano. No documento, os coronéis alardeavam a “deterioração das condições materiais e morais” indispensáveis ao pleno desenvolvimento do Exército e conclamavam seus superiores a promover uma “campanha de recuperação e saneamento no seio das classes armadas”.
Entre as reivindicações dos militares estava a remodelação de instalações precárias em todo território nacional, reequipagem das unidades, cujo material bélico era em sua maioria obsoleto, e reajuste salarial dos militares, que viviam em "eterna disparidade" em relação às forças armadas de outros países. Neste sentido, não poupavam críticas ao aumento de 100% do salário mínimo proposto por Jango, prevendo distorções salariais graves.
Diante da repercussão do Memorial do Coronéis, Vargas pareceu recuar, optando pela saída de Jango do ministério ao aceitar sua carta de demissão, em 22 de fevereiro. Contudo, em 1º de maio, em um inflamado discurso, o presidente anunciou o novo salário mínimo, exatamente nos termos propostos pelo ex-ministro.
DA REPERCUSSÃO AO FIM TRÁGICO
Jornais da época atestam a polêmica plantada após o anúncio do novo salário mínimo. O jornal O Globo ouviu diversas personalidades do país que expressaram suas opiniões, contrárias e a favor, acerca do inesperado reajuste de 100%.
Impetuosa, a oposição tornou-se ainda mais virulenta com seus ataques, e Vargas chegou a ser acusado de manter conversas secretas com Juan Perón, presidente da Argentina, nas quais supostamente planejavam a formação do chamado Pacto ABC (Argentina, Brasil, Chile).
A repercussão do novo salário mínimo acabou por encurralar o governo, com a oposição pedindo o afastamento de Vargas, que, como último argumento, atirou contra o próprio peito, suicidando-se em 24 de agosto daquele ano, em sua residência oficial, no Palácio do Catete.