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DIVERSIDADE

Mudanças na Parada LGBT de Cabo Frio tramitam na Câmara e viram alvo de protestos

Grupo Iguais emite nota de repúdio e deputado estadual Carlos Minc se pronuncia

18 fevereiro 2025 - 12h32Por Redação
Mudanças na Parada LGBT de Cabo Frio tramitam na Câmara e viram alvo de protestos

Uma proposta de alteração na Semana Municipal da Diversidade Sexual e na Parada do Orgulho LGBT de Cabo Frio continua gerando forte embate na cidade. De um lado a ONG Grupo Iguais denuncia o que chama de “uma grave usurpação de competência e um atentado contra a autonomia dos movimentos sociais”. De outro, o vereador Milton Alencar, o presidente da Câmara, Vaguinho, e o governo municipal. E no meio do fogo cruzado, o deputado estadual Carlos Minc.

A confusão começou após a sessão legislativa do último dia 6, quando Milton apresentou o Projeto de Lei nº 0025/2025. O PL propõe alterações na Lei Municipal Nº 2.970/2018, de autoria do ex-vereador Taylor da Costa Jasmim Júnior, excluindo o Grupo Iguais da organização da Semana Municipal da Diversidade Sexual e da Parada do Orgulho LGBT. O documento também transfere a responsabilidade integral dos dois eventos para a Superintendência de Políticas LGBTI+ (ligada à Secretaria Municipal de Cultura de Cabo Frio), em parceria com o Conselho Municipal de Cultura.

Como resposta, a ONG LGBT divulgou uma nota de repúdio em conjunto com outras 25 instituições locais, regionais, estaduais e até nacionais. No texto, o Grupo Iguais diz que a proposta de autoria do vereador Milton Alencar quer impor que um órgão do governo municipal assuma a organização das duas manifestações, “historicamente conduzida pelo movimento social organizado em todo o mundo”. Também afirma que “a tentativa de apropriação da Parada do Orgulho LGBTI+ pelo município representa uma distorção do papel do Estado, que deve atuar como garantidor de direitos e não como agente de controle sobre expressões legítimas da sociedade civil”.

Em outro trecho, a ONG acusa o governo municipal de uma suposta prevaricação (Art. 319 do Código Penal) “pois demonstra desvio da função pública para fins que não são de sua competência, contrariando o interesse público e os princípios democráticos que regem o Estado de Direito”. E continua: “É inaceitável que o vereador Milton Alencar se deixe ser utilizado como autor de um projeto que atenta contra os direitos da população LGBTI+, tentando transformar um ato de resistência e reivindicação de direitos em um evento controlado pelo poder público. Tal postura demonstra desconhecimento da luta histórica do movimento e um alinhamento com políticas que buscam desmobilizar e esvaziar o caráter político/social da Parada do Orgulho”.

No documento, as entidades que assinam a nota de repúdio pedem a imediata reprovação do Projeto de Lei 025/2025 “por inconstitucionalidade”; o respeito à autonomia da sociedade civil na realização de manifestações públicas, sem interferência indevida do poder público municipal; o compromisso da Prefeitura de Cabo Frio e dos parlamentares municipais em atuar como garantidores dos direitos fundamentais da população LGBTI+, sem práticas que violem princípios constitucionais e democráticos. Pedem, também, que o vereador Milton Alencar preste esclarecimentos à sociedade sobre sua motivação para propor tal retrocesso e reveja sua posição, respeitando a luta da população LGBTI+. A nota termina informando que “o movimento LGBTI+ não aceitará retrocessos e continuará lutando pela manutenção da Parada do Orgulho como um ato de resistência, visibilidade e luta por direitos”.

A polêmica chegou à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), onde o deputado estadual Carlos Minc se manifestou contra a mudança. Nas redes sociais ele se posicionou contra o que chamou de “estatização do evento”.

– A Parada do Orgulho LGBTI+ de Cabo Frio acontece há mais de 20 anos. É a primeira parada da Região dos Lagos, e há uma tentativa da Secretaria Municipal de Cultura de Cabo Frio e de um vereador de estatizá-la. Um evento que nasce do movimento social está ameaçado de passar a ser organizado pela prefeitura, a partir da aprovação de um projeto de lei que modifica a lei que instituiu a Semana da Diversidade Sexual e a Parada do Orgulho LGBTI+. Isso é muito sério, porque a gente não sabe suas consequências para o futuro! E apoiamos a nota de repúdio do Grupo Iguais e de outras entidades a essa tentativa de manipulação política de um movimento social. É importantíssimo manter a autonomia e a independência da Parada do Orgulho LGBTI+ de Cabo Frio - afirmou Minc.

Com a repercussão, o caso ganhou um novo capítulo na sessão desta terça-feira (11): o presidente do legislativo, vereador Vaguinho, apresentou uma emenda alterando o projeto de lei de Milton Alencar. No documento, ele tira a responsabilidade do governo municipal sobre os eventos e transfere para a comunidade LGBTI ao definir que a Parada será realizada na Semana Municipal da Diversidade Sexual, “em data a ser definida pelo movimento LGBTI+”. Diz ainda que a organização e realização “ficam sob responsabilidade das instituições do movimento LGBTI+, com a participação do Conselho Municipal de Cultura”.

Vaguinho também apresentou uma segunda emenda, desta vez à lei original, excluindo o parágrafo que diz que “as despesas decorrentes com o disposto nesta Lei correrão por conta das verbas próprias do orçamento, suplementadas se necessário”. Em nota à Folha, a Câmara de Vereadores de Cabo Frio disse que tanto o Projeto de Lei 0025/2025 (que altera a Lei nº 2.970/2018) como as duas emendas foram encaminhadas para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Um parecer deve ser emitido em 10 dias.

A alteração proposta por Vaguinho gerou novo protesto por parte do Grupo Iguais. Em conversa com a Folha, Rodolpho Campbell, um dos fundadores da ONG, disse que “essas emendas são uma manobra política”.

– A primeira apenas reverte o erro do governo, devolvendo ao movimento LGBTI+ o que já era seu por direito. Vaguinho coloca panos quentes na situação. E a segunda, no entanto, é um ataque direto à Parada, retirando a garantia de recursos para sua realização. Um absurdo, já que todos os eventos do calendário municipal têm esse suporte. Vaguinho é um histórico opositor da comunidade LGBTI+, mas na tentativa de ajudar o governo a se redimir de um lado, prejudica o movimento LGBTI+ de outro. Não aceitaremos esse golpe disfarçado - afirmou Campbell.

AUTOR DO PROJETO, MILTON ALENCAR NÃO COMENTA ALTERAÇÕES PROPOSTAS

Diante de tanta confusão, a Folha entrou em contato com Milton Alencar para entender as motivações e benefícios que seriam gerados com alteração na Lei, mas ele não quis comentar o assunto. Milton sugeriu apenas que a reportagem fizesse contato com a assessoria de comunicação da Câmara, que afirmou não poder falar pelos vereadores: “Isso é com o gabinete deles” - respondeu um jornalista do setor.

Na justificativa que protocolou na Câmara junto ao projeto de lei, Milton escreveu que o documento atendia a um pedido feito pela Secretaria Municipal de Cultura, e que as alterações propostas tinham como objetivo “aprimorar a gestão e organização da Semana Municipal da Diversidade Sexual e da Parada do Orgulho LGBTI+, garantindo maior eficiência e integração com as políticas públicas do município”. Isso porque, segundo ele, a Lei 4.139/2025 (que institui a organização e estruturação da Administração Pública do Município de Cabo Frio), diz que a Superintendência de Políticas LGBTI+ (ligada à Secretaria de Cultura) é o órgão responsável por promover a igualdade, combater a discriminação e assegurar os direitos da população LGBT+; promover a integração entre governo e sociedade civil para o desenvolvimento de políticas públicas LGBT+; e planejar, implementar e monitorar projetos voltados à inclusão e proteção da população LGBT+.

Entre as mudanças propostas por Milton está a atualização da nomenclatura do evento. O novo projeto substitui a sigla "LGBT" por "LGBTI+", refletindo um compromisso maior com a inclusão de diversas identidades, como as pessoas intersexo, assexuais e outras, ampliando o alcance e o significado do evento. Mas foi outra alteração que gerou a confusão. A lei original diz que a data e realização da Parada do Orgulho seriam de responsabilidade do Grupo Iguais. O projeto de Milton exclui o grupo, e define que a data passa a ser de competência do Poder Executivo Municipal, enquanto a organização e a realização tanto da Semana da Diversidade Sexual quanto da Parada devem ficar a cargo da Superintendência de Políticas LGBTI+ (órgão da Secretaria Municipal de Cultura), em parceria com o Conselho Municipal de Cultura.

Enquanto Milton preferiu o silêncio, a superintendente LGBTI+ na Prefeitura de Cabo Frio, Bárbara Barrozo, disse à Folha que “desconhece a exclusão do Grupo Iguais, uma vez que uma lei que menciona expressamente o nome de uma única instituição, quando existe todo um segmento a ser representado, está sendo, na verdade, tendenciosa”.

– Então o que vejo é uma adequação da lei, para contemplar toda a sociedade civil organizada, LGBT. A mudança é um grande benefício, porque deixa de especificar uma única instituição e passa a contemplar o Conselho Municipal de Cultura através do segmento da setorial LGBT. Logo isso beneficia a todas as instituições existentes no município - afirmou.

Questionada pela Folha se houve alguma conversa com o Grupo Iguais antes desse projeto de lei ser apresentado na Câmara, Bárbara respondeu que em janeiro a Secretaria Municipal de Cultura convocou todos os segmentos com cadeiras no Conselho Municipal de Cultura. O objetivo foi o de ampliar a reunião para a sociedade civil organizada “afim de fazer escutas e apresentar sua forma de atuar nesta gestão, uma vez que o que se pretendemos é atender com isonomia todos os segmentos culturais”.

– O que eu quero dizer pra finalizar é que eu estou superintendente LGBT, e a nossa pasta está aberta a todas as contribuições. Mas que o setor organizado precisa participar das atividades da Secretaria Municipal de Cultura, apresentar suas demandas, estar mais próximo para que a gente possa atender com carinho e acolhimento - afirmou.

A Folha também tentou contato com o presidente da Câmara cabo-friense, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria