Acontece no dia 1º de novembro, na Bahia, a cerimônia nacional de entrega da Bandeira Azul para as praias e marinas do Brasil que, este ano, receberão o selo internacional pela temporada 2024/2025. Somente no estado do Rio de Janeiro, 12 praias serão contempladas com a certificação internacional, oito delas na Região dos Lagos, sete na área de concessão da Prolagos. A Praia do Peró, em Cabo Frio, é a que ergue a Bandeira Azul por mais tempo na região (este será o sétimo ano seguido). Em Búzios, a Praia do Forno receberá a certificação pela terceira vez. Já a Praia Azeda, também no balneário buziano, recebeu a Bandeira Azul pela primeira vez em setembro do ano passado. Na mesma cidade, a Praia de Tucuns receberá o selo internacional pela primeira vez este ano (ainda em caráter experimental), assim como a Praia do Caiçara, em Arraial do Cabo, banhada pela Lagoa de Araruama. Outras duas praias lagunares que também receberão a certificação este ano, pela segunda vez, são Pedras de Sapiatiba, em São Pedro da Aldeia, e Ubás, em Iguaba Grande.
Segundo o biólogo Eduardo Pimenta, o aumento expressivo do número de praias certificadas com a Bandeira Azul nas cidades da Região dos Lagos é resultado de um intenso investimento no saneamento, que tem passado por uma transformação significativa nos últimos anos. Antes da concessionária Prolagos assumir a concessão do serviço de saneamento, em 1998, não havia coleta nem tratamento de esgoto, e o despejo de resíduos in natura era feito diretamente nas praias de mar aberto e, também, na Lagoa de Araruama.
Em nota à Folha, a empresa informou que todo o processo de investimentos que proporcionou a recuperação da Lagoa de Araruama teve início a partir dos anos 2000 (dois anos após o início da concessão), “quando o corpo hídrico foi considerado morto, e a sociedade civil se organizou para reverter este quadro de degradação”. Isso resultou na antecipação dos investimentos em esgotamento sanitário. Nesses 26 anos de concessão foram feitos investimentos na implementação do sistema de Coleta em Tempo Seco (na época considerado adequado para a região por sua baixa incidência de chuvas), construídos 38km de cinturão coletor de esgoto, estações de tratamentos (e elevatórias de bombeamento) nas cidades atendidas, entre outras unidades que complementam o sistema. Todas essas ações, que blindaram a Lagoa de Araruama e as praias da região, garantindo maior proteção ambiental aos corpos hídricos, representam um investimento da ordem de R$ 1,4 bilhão, valor duas vezes maior que a média nacional por habitante, segundo o Instituto Trata Brasil.
– A principal mudança com todo esse investimento foi a recuperação da saúde ambiental da lagoa. Hoje, monitoramentos feitos pelo Inea, o Comitê da Bacia Hidrográfica e estudos acadêmicos mostram que 85% das praias lagunares estão em boas e ótimas condições de balneabilidade. Isso foi fundamental para que as praias lagunares, de forma inédita, ganhassem essa certificação, seja a de São Pedro, a de Iguaba, e, agora, também a de Arraial do Cabo. Porque a Bandeira Azul é um selo de qualidade internacional e que prima por três pilares: acessibilidade, seguridade e balneabilidade. Nada disso seria possível se não tivesse essa eficiência no sistema de monitoramento e de coleta dos efluentes e de recuperação da saúde ambiental da Lagoa de Araruama – explicou Pimenta.
Em entrevista à Folha, outro biólogo, Mário Flávio Moreira, destacou que duas ações principais foram essenciais para a recuperação da Lagoa de Araruama: o tratamento de esgoto em tempo seco e a dragagem do Canal do Itajuru, que conecta o mar à lagoa. Segundo ele, os resultados vão além da certificação da Bandeira Azul, beneficiando o turismo, a economia e a qualidade de vida dos moradores e empresários.
– Essas ações (desassoreamento e tratamento de esgoto) melhoraram a qualidade da água e aumentaram a pesca, com a entrada de peixes e camarões. O respeito aos períodos de defeso também foi um fator importante. Outro benefício da melhoria no saneamento é o incremento do turismo. A lagoa, hoje, está com muitos barcos de turismo. Então é mais uma atividade que está agregando valor e trazendo recursos para os municípios – disse Moreira.
Paulo César Azeredo é morador de São Pedro da Aldeia, tem 56 anos e vive da pesca na lagoa há 40 anos. Em conversa com a Folha ele contou que a recuperação lagunar não só melhorou a pesca, mas também gerou uma nova fonte de renda para vários pescadores aldeenses: o passeio turístico nos barcos de pesca.
– Antes não tinha como a gente fazer isso porque as praias estavam sujas, cheias de esgoto. Agora que estão limpas podemos oferecer esse novo serviço, que começou em 2020. Temos um ponto de embarque na Praia da Pitória, onde temos cerca de seis pescadores atuando, e outro na Praia da Baleia, com cerca de 20 pescadores. O passeio não é feito em escunas, como em Cabo Frio, mas no nosso próprio barco de pesca. Por isso só cabem cerca de sete pessoas. O passeio dura, em média, duas horas e conta com visita às ilhas do Boi, do Prazer e do Amor, além de uma parada para almoço na praia. O prato é sempre um peixe (geralmente capturado na lagoa), e assado à moda do pescador. Com a melhoria das águas da lagoa, esses passeios se tornaram uma alternativa de renda extra que está nos ajudando muito, principalmente nos finais de semana e durante o período de defeso, quando a pesca na lagoa é proibida – revelou.
Eduardo Pimenta lembrou que “majoritariamente as lagoas e lagunas do Brasil estão sobre queda da saúde ambiental do ecossistema, e da sobrepesca com a captura acima da reposição das espécies da produção pesqueira, principalmente das populações tradicionais”. Mas o exemplo dos pescadores de São Pedro da Aldeia, segundo ele, mostra que a Lagoa de Araruama vive o inverso.
– Hoje ela tem a sua produção pesqueira aumentada de um ano para o outro em 32%, gerando mais de cinco mil empregos diretos e indiretos. Digamos que para cada um emprego dentro da água, pescando na Lagoa de Araruama, são gerados até quatro outros empregos indiretos: elétrica, eletrônica, mecânica, reparo, construção naval, indústria de apetrechos, transporte, gelo… Então, a lagoa tem toda essa oferta de serviços ecossistêmicos não só para os munícipes, através de geração do trabalho, emprego e renda, mas também para os turistas atraídos pelas águas cristalinas. Isso faz dela um case de sucesso em dimensões nacional e internacional, como a maior lagoa e hipersalina do mundo – afirmou Pimenta.
Alex Tadeu Farias e Bianca Araújo são proprietários do Quiosque do Alex, na Praia dos Ubás, em Iguaba Grande, e um exemplo prático de como a recuperação da Lagoa de Araruama pode impactar positivamente na geração de emprego e renda. Em 2015 eles montaram um primeiro negócio às margens da orla. No local vendiam gelo e comida.
– Nessa época a Lagoa de Araruama estava muito poluída, e o movimento no comércio era muito fraco e mal dava para pagar as contas. Em 2018 consegui a concessão do quiosque onde estou hoje. Naquele ano a lagoa estava na pior situação, podre, morta, e o movimento era tão ruim que eu tinha apenas três pessoas trabalhando: eu, minha esposa, e um ajudante. Naquele momento cheguei a pensar em desistir do meu negócio. Foi só em 2021 que começamos a notar uma melhoria na lagoa, e com a certificação da Bandeira Azul na Praia dos Ubás, ano passado, o movimento deu um salto. Passamos a receber turistas estrangeiros. Muitos argentinos estão frequentando a Praia dos Ubás. Também percebemos a presença de muitos mineiros. O movimento melhorou tanto que hoje temos 15 garçons, três cozinheiros, dois copeiros e três pessoas atendendo no balcão. Graças à recuperação da lagoa, consegui comprar minha casa própria e tenho dois carros. E o movimento aqui na praia não é só no verão: é o ano todo – revelou Alex.
Embora tenha passado de três funcionários para mais de 20, Bianca contou que o número ainda é insuficiente para dar conta do movimento alavancado pela recuperação da Lagoa de Araruama.
– Para o verão vamos precisar contratar mais pessoas porque o que temos hoje não dá conta - revelou a empresária, que, junto com o marido, faz questão de trabalhar a conscientização ambiental junto aos seus clientes. — No carnaval, por exemplo, não esperamos que a Prefeitura venha limpar: nós mesmos varremos toda a areia em volta do quiosque para retirar qualquer vestígio de sujeira. Também temos lixeiras, mas sempre pedimos que cada um recolha seu próprio lixo. A recuperação da Lagoa de Araruama, aqui na Praia do Ubás, mudou nossa vida, e o mínimo que podemos fazer é trabalhar para a manutenção do espaço – acrescentou.
Esses mesmos impactos positivos também são sentidos em praias de mar aberto que antes da chegada da Prolagos recebiam despejo de esgoto in natura. Mas hoje, graças ao investimento em coleta e tratamento de esgoto, também são certificadas com o selo internacional da Bandeira Azul. É o caso do Peró, em Cabo Frio, onde hoteleiros estão vendo o perfil do turismo mudar e o movimento aumentar a cada ano.
– Antes era como é em Cabo Frio todo, aquele perfil de turismo de massa, de adolescentes. Hoje o Peró é completamente diferente dos outros lugares: é um perfil mais família, muitas pessoas de idade. A educação também é diferente: são pessoas que respeitam as regras. O ordenamento também melhorou, está menos pior do que em outras áreas de Cabo Frio – garantiu o hoteleiro Carlos Cunha.
Coordenadora de Serviços Turísticos do Cabo Frio Convention & Visitors Bureau, Marta Rocha contou que um levantamento feito pela entidade revela que, após o saneamento da Praia do Peró e a consequente certificação da Bandeira Azul, o local passou a receber muitos turistas de São Paulo e outros destinos, inclusive de outros países, com um poder aquisitivo melhor.
– A Praia do Peró passou a ser uma referência, com hotéis sempre cheios mesmo fora da temporada. As agências de viagens passaram a incluir o Peró em seus roteiros pela Costa do Sol. Houve um aumento da visibilidade através das redes sociais. Empresas, como o Hotel Paradiso, passaram a oferecer trilhas guiadas no Morro do Vigia (Parque da Costa do Sol), inclusive para não hóspedes. As ações de educação ambiental aumentaram e houve uma maior consciência dos moradores e trabalhadores da praia – revelou.
Todos esses avanços foram possíveis porque nos 38 km de cinturão coletor construídos pela Prolagos a blindagem intercepta a rede de drenagem (em tempo seco) e direciona o esgoto para o sistema de coleta. Lá é feito o bombeamento para uma das Estações de Tratamento (ETE) construídas pela concessionária nessas mais de duas décadas de concessão. A estrutura inclui trechos em Praia Linda (São Pedro da Aldeia) e Ubás (Iguaba Grande), que direcionam o esgoto para as respectivas ETEs em cada cidade, impactando diretamente na qualidade da água nas praias lagunares de Pedras de Sapiatiba e de Ubás. Já no Peró, em 2022 foram implantados cerca de 530 metros de rede coletora, formando um cinturão de captação de esgoto no entorno da praia. Esse investimento contribui para a manutenção do selo até hoje.
Para reforçar a proteção ambiental da Lagoa de Araruama, a Prolagos está implantando um novo trecho de 26 km restantes de cinturão coletor. Isso inclui obras no Recanto das Dunas, Vila do Sol, Porto do Carro e Perynas, em Cabo Frio; Vinhateiro, Baixo Grande, Nova São Pedro, Mossoró, Recanto do Sol, Balneário São Pedro, em São Pedro da Aldeia. Em Iguaba Grande, será realizada a etapa mais complexa da blindagem da Lagoa de Araruama: a rede de captação em tempo seco no Rio Salgado. Além disso, a concessionária informou que vai ampliar e modernizar quatro das suas estações de tratamento, passando a operar todas as unidades de tratamento em nível terciário, gerando ao final de processo água de reuso, que pode ser utilizada para irrigação de jardins e outros fins.