RODRIGO CABRAL
Um parecer contrário à demolição dos galpões de sal na Passagem, elaborado no ano passado, está adormecido nas gavetas do Conselho Municipal do Patrimônio de Cabo Frio. O documento, que é da comissão de patrimônio edificado, data de 19 de abril. Seus oito subscritores são representantes da Coordenadoria de Planejamento, Câmara Municipal, Instituto Brasileiro de Museus (Mart/Ibram), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Associação de Engenheiros e Arquitetos da Região dos Lagos (Asaerla) – cinco dos onze órgãos que têm cadeira no conselho.
Outros sete especialistas colaboraram: Ivo Barreto (arquiteto e mestre em patrimônio pela UFRJ), João Oliveira Christóvão (mestre em memória social pela UERJ), a historiadora Penha Leite, Maria Regina Lamenza (do Instituto Cultural Carlos Scliar), Walter Pereira (professor e doutor em história pela UFF-Campos dos Goytacazes), Karla Maria Rios de Macedo (doutoranda em arquitetura pela UFF e professora turismóloga do IFF) e a geógrafa Roberta Pimenta Bessa.
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O estudo, que a Folha disponibiliza na íntegra ao fim desta matéria, confronta o argumento de que a estrutura dos galpões – remanescentes do antigo Porto de Sal de Cabo Frio – não está bem preservada. Além de pedir o indeferimento do pedido de demolição, o parecer requer também a abertura do processo de tombamento do antigo Porto de Sal.
“Nos é imperativo reconhecer que a edificação aqui tratada deva, com vigorosa certeza, ser preservada. Como se vê na análise, tratamos aqui de importante remanescente do Porto de Cabo Frio, espaço intimamente ligados ao complexo industrial do sal, e de cuja permanência histórica e a memória cabo-friense não pode abrir mão. Cabe-nos comentar ainda que nos parece haver, sob o ponto de vista da conservação, qualquer impeditivo à conservação e a sua manutenção, sob o argumento de uma eventual má conservação parcial de seus elementos, em especial os elementos de madeira. Como em qualquer obra de restauro de estruturas de telhado, tão comuns em bens protegidos e de interesse cultural, as peças podem ser reparadas, reforçadas e, como determina o Manual de Conservação de Telhados do Iphan, editado em 2005, até mesmo, em casos de extrema deterioração, substituídas por peças de mesmas dimensões e tpologia (mantendo-se assim o que o teórico da restauração Cesare Brandi chama de “unidade potencial” da obra)”, diz trecho da conclusão do documento.
Este parecer veio após a um primeiro, no qual os especialistas indicaram a necessidade, devido à importância histórica e qualidade da construção, de visitarem o local para a realização de uma “avaliação mais ampla por tratar-se de importante documento referente ao sal na região”.
Como não teve o aval da maioria dos representantes do conselho, o segundo documento deveria seguir para votação. Sua apresentação, no entanto, foi desmarcada no dia em que aconteceria. E o processo foi encaminhado para a procuradoria do município.
O documento traz dados históricos, fotografias e informações que realçam a importância dos galpões.
“De fato, não tratamos aqui de uma obra prima da arquitetura, cujo valor artístico salta aos olhos, mas sim do registro do que efetivamente foi este espaço, registro remanescente mais próximo de um passado como lhe couber ser constituído fisicamente, para exercício compatível ao seu papel histórico. E mais do que isso, registro que carrega as características de um Porto simplório e de caráter precário mesmo no século XX, como se vê nas fotos, marcadamente e intensamente vivenciado por sujeitos negros, que faziam deste lugar um território de sobrevivência e arranjos de solidariedade (...)”, escrevem os pesquisadores.
Diz a parte final do texto: “Aqui a simplicidade não poder ser argumento caboclo da destruição, mas sim, e precisamente ela, o motivo da própria preservação, argumento da diversificação de narrativas presentes em nossa lista de patrimônio cultural”.