A Folha dos Lagos completa 35 anos de circulação ininterrupta no próximo dia 30. Nessas três décadas e meia, o jornal não apenas testemunhou a história da Região dos Lagos, como também se tornou parte dela. Em suas páginas, muitas coberturas, manchetes que marcaram gerações, denúncias importantes e personagens que ajudaram a moldar o presente. Mas por trás de cada edição impressa, uma outra transformação acontecia: a revolução tecnológica na produção do jornal.
Vieram os computadores e as impressoras mais modernas, os programas de editoração e os arquivos digitais. A apuração ganhou novas ferramentas: sites de busca, bancos de dados online, e-mails e redes sociais facilitaram o acesso à informação. Ao mesmo tempo, surgiram novos desafios: a checagem de notícias falsas, a velocidade das publicações, a pressão por engajamento nas redes e, agora, a inteligência artificial.
Hoje, um repórter pode fotografar, filmar, escrever e publicar direto do celular, de onde estiver — e a redação, antes limitada a um espaço físico, acontece também em aplicativos de mensagens, plataformas colaborativas e salas virtuais.
No entanto, quando a Folha foi fundada, naquele abril de 1990, ao fim do primeiro mês do Governo Collor, era muito diferente: o som das teclas das máquinas Remington — duas delas ainda preservadas na sede do jornal em Cabo Frio — era a trilha sonora cotidiana do local de trabalho. Eram tempos em que cada vírgula exigia precisão, porque o erro não podia ser corrigido com um simples Ctrl+Z.
A jornalista Cristiane Zotich, que começou na Folha em 1996, lembra como tudo era mais trabalhoso:
— As fotos ainda eram feitas com máquinas analógicas. A gente saía com um filme de 12 poses e torcia para dar tudo certo. Muitas vezes programávamos uma imagem enorme em uma página, com destaque, e, quando a revelação chegava, a foto não estava boa. Tinha que diagramar tudo de novo, às vezes sem foto — conta.
Zotich também recorda o envio do jornal para a gráfica, feito de maneira artesanal:
— As páginas eram impressas em tamanho real, cortadas e coladas manualmente. O jornal ia de carro para a gráfica, dentro de uma caixa de papelão. Hoje a gente revisa tudo pelo WhatsApp e manda o jornal pela internet. O processo ficou muito mais rápido e eficiente. Mas confesso que, às vezes, tenho saudades do modelo antigo.
Mais recentemente, a IA tem se consolidado como mais uma camada dessa transformação. Ferramentas como assistentes de texto, geradores de imagem e bots de análise já são parte da rotina de muitas redações no mundo. Na Folha dos Lagos, a inteligência artificial é vista com curiosidade, cautela e senso crítico.
A pergunta que atravessa essas décadas é: como o bom jornalismo pode assimilar as novas tecnologias sem abrir mão de seus princípios? A resposta talvez esteja justamente no encontro entre gerações. Se antes era preciso ter atenção redobrada ao bater cada tecla de ferro, hoje é preciso o mesmo cuidado ao apertar “publicar”.
“Ser uma fonte confiável é uma arma contra a desinformação e coloca a Folha na vanguarda”
Cleber Lopes viveu todas essas transições. Quando chegou à Folha, nem computadores existiam na redação.
— As matérias eram apuradas pessoalmente ou através do velho telefone fixo e “datilografadas” em “laudas”. Mais importante que o editor e o repórter era a figura do diagramador que montava o jornal em um papel-cartão chamado “paste-up”. Para corrigir erros, ele recorria a estiletes para cortar o papel letra por letra ou palavra por palavra — relembra.
— Vi as velhas Remingtons desaparecerem da redação e darem lugar a computadores, na época com o Page Maker. O jornal chegava à gráfica, em Niterói, a 150 km de distância, em segundos, graças à internet. As páginas ganharam cores e um mundo novo se abriu.
Para Cleber, o desafio atual não é apenas tecnológico:
— Em dias em que parecemos viver a Idade Média Digital e a era da Fake News, ser uma fonte confiável é uma arma contra a desinformação e coloca a Folha na vanguarda, mesmo três décadas depois da fundação.
Ele resume a essência do jornal com duas palavras:
— Resistência e caráter. Manter a linha editorial longe das garras dos nossos políticos medíocres é uma prova de caráter. Essa é a essência da Folha.
“A diferença está na velocidade”
Thiago Freitas também viu de perto a virada digital:
— Fomos testemunhas da influência das ferramentas tecnológicas em nosso processo de trabalho. Desde a apuração até a entrega da notícia ao leitor. As mudanças sempre ocorreram na história da humanidade. Mas neste milênio, a diferença está na velocidade com que elas acontecem.
Ele relembra o tempo das entrevistas “olho no olho”, da montagem no Page Maker e das capas nas bancas. Hoje, o cenário é outro:
— Vivemos a era da checagem daquilo que é veiculado nas redes sociais, da apuração pelo WhatsApp, das publicações com uso de gerenciadores de conteúdo associados à inteligência artificial.
Para ele, o segredo do equilíbrio entre tradição e inovação está na credibilidade:
— É o que garante que, não importando as ferramentas utilizadas, a informação será sempre construída com seriedade para o leitor.
E alerta:
— Fake news não são um fenômeno novo. Elas só foram potencializadas pelas redes sociais. Precisamos ter ainda mais zelo com a autenticidade e veracidade do que publicamos.
Sobre o uso da IA, é categórico:
— A questão ética não está na inteligência artificial, mas no ser humano. A máquina é uma ferramenta que opera a partir de um comando dado por nós. Não há por que demonizar. Já vimos casos de plágio e histórias totalmente inventadas por repórteres no mundo todo. O caráter sempre será o primeiro critério na escolha de bons profissionais.
“Naquela época, a redação era a rua”
Fernanda Carriço começou na Folha em 1993. A lembrança que guarda é de uma redação analógica e cheia de vida:
— Era uma redação com máquina de escrever, com uma área para revelação de fotos... A apuração era in loco. A gente tinha que sair com papel, caneta... quando tinha gravador, máquina... Era muito mais trabalhoso. Mas por outro lado tinha a magia do hábito diário do repórter estar em campo.
Ela acompanhou a transição para o digital:
— Depois da Folha, fui para o rádio, para a TV, passei por assessoria. Vi tudo mudar. Fiz até curso de internet, de MSDOS, na época da implantação dos sistemas informatizados.
Apesar de reconhecer as vantagens, faz um alerta:
— Temos muitos jornalistas que mal apuram, que pegam qualquer coisa na internet e publicam. Então a gente tem que ter muito cuidado com as fake news, com a apuração feita de forma rápida, na mesma velocidade que a internet.
E conclui:
— A minha ética é a mesma, na época da máquina de escrever e agora no celular. Compromisso com a verdade, com a apuração, com ouvir todas as partes. Isso não muda.