Já está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de Vereadores de Cabo Frio o Projeto de Lei Complementar 008/2024, de autoria do governo municipal, que trata da nova lei de zoneamento do município. Conforme matéria publicada na edição impressa da Folha deste final de semana, a proposta, que trata do uso e ocupação do solo, entrou na pauta na última terça-feira (22) e foi encaminhada pelo presidente Miguel Alencar para a CCJ. De acordo com ele, todas as sugestões que chegaram na Câmara através de ofício serão encaminhadas para apreciação dos membros da comissão.
O projeto que está sendo analisado tem 241 páginas, e divide o município em nove macrozonas, subdivididas em 152 zonas e eixos com diferentes usos, como residenciais, comerciais e industriais, entre outras. De acordo com a assessoria da Câmara, o prazo regimental para elaboração do parecer é de 20 dias úteis, acrescido de 10 dias úteis no caso de apresentação das emendas. Dentro deste prazo, os membros da CCJ vão convocar e ouvir técnicos capacitados nos temas propostos, tais como engenheiros, arquitetos, ambientalistas, dentre outros profissionais. A primeira reunião, no entanto, ainda não tem data marcada, segundo a assessoria da Câmara.
Na segunda-feira (21) o Projeto de Lei Complementar foi alvo de uma audiência pública que mobilizou representantes de diversos segmentos da sociedade. As áreas discutidas que tiveram destaque foram o setor Perynas (cuja altura máxima prevista é de 14,5 metros), orla da Praia do Forte (24 metros), zona mista do Braga e zona comercial do Centro de Cabo Frio (ambas com 32,5 metros de altura máxima prevista na lei de zoneamento).
– Esse projeto está sendo discutido no atual governo municipal há cerca de dois anos, mas houve uma primeira versão no governo anterior (do prefeito Adriano Moreno). A atual administração revalidou uma boa parte e fez algumas modificações. O trabalho foi realizado em cima da Lei 116 de 1979, que não levava em conta uma série de questões que hoje são importantes, como a permeabilidade do solo e a arborização. Por isso, naquela época havia permissão para construções em 70% do terreno, e em alguns casos até 100%, mas agora estamos limitando entre 30% e 40%, com gabaritos definidos através de uma série de cálculos e estudos - explicou o arquiteto Sérgio Nogueira, responsável pela apresentação do governo municipal na audiência pública.
Na abertura da audiência, o secretário municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano, Matheus Aragutti Mônica, afirmou que a maioria das propostas apresentadas em setembro, durante a reunião do Conselho Municipal da Cidade (da qual ele é presidente), foram contempladas no novo texto do Projeto de Lei Complementar. Naquela época, em conversa com a reportagem da Folha, Aragutti explicou que a nova minuta aprovada seria analisada pela Procuradoria Geral do governo municipal, e garantiu que o texto só poderia sofrer alterações em questões legais, considerando a análise jurídica. No entanto, não foi o que aconteceu.
– Não somos contra a verticalização. Como moradora do bairro Braga, participei das reuniões do Conselho da Cidade. Mas me surpreendeu saber que nas reuniões a proposta era aumentar o gabarito do Braga de 24 metros para 26 metros, mas o projeto enviado para a Câmara fala em 32,5 metros, ou seja, alterações que não tomamos conhecimento e, pelo o que vimos, também foram feitas em outros pontos da cidade - denunciou Cristina Burle durante audiência pública realizada nesta segunda (21) na Câmara de Vereadores. Matheus Aragutti não soube explicar o motivo dessa alteração no texto final.
No mesmo debate, Cristina pediu que os vereadores tivessem atenção ao analisar o PLC afirmando que não houve estudo técnico em todas as áreas abordadas.
– Nas reuniões do Conselho estudamos todas as 72 áreas da ponte para cá e identificamos algumas questões. Inclusive um representante do meio ambiente falou sobre a existência de um estudo técnico na área do Foguete. Questionamos se esse estudo também foi feito na área das Dunas e a resposta foi “não”. O correto é fazer esse estudo em todas as 151 áreas de Cabo Frio que fazem parte da proposta de verticalização. Inclusive sobre a questão topográfica, porque sabemos que o solo do bairro São Cristóvão é de tabatinga (um tipo de solo argiloso com grande quantidade de matéria orgânica), e que ele não suporta certas alturas, mesmo assim o projeto fala em 11 andares para o local. Tem ainda a questão da área 41 (zona ecológica econômica Novo Portinho), que segundo o mapa fica ao lado do shopping, na beira da lagoa das Palmeiras. A proposta era de autorizar prédios comerciais de seis pavimentos, que acabou sendo reduzido para quatro, mas entendemos que beira de lagoa não é lugar para construir nada - defendeu Cristina.
O ambientalista Lucas Muller, que também participou de todas as reuniões promovidas pelo Conselho da Cidade para debater a minuta da nova lei de zoneamento, afirmou que vários avanços foram conquistados, mas chamou a atenção para outros debates que, segundo ele, precisam ser feitos.
– Tivemos muitos avanços nas discussões realizadas pelo Conselho da Cidade, mas entendo que elas não foram suficientes porque Cabo Frio não tem infraestrutura para suportar essa verticalização. Não temos rede de esgoto, coleta de lixo, mobilidade urbana, energia elétrica, água, nada. Então, como é que vamos dobrar a quantidade de apartamentos? Nem temos demanda pra isso na cidade. Se olhar os prédios da Praia do Forte, quase todos estão vazios, com pouquíssimos moradores, e só ficam lotados no verão - declarou Lucas durante a audiência pública.
Membro da Associação de Arquitetos e Engenheiros da Região dos Lagos (Asaerla), Rafael Trindade reafirmou as declarações de Lucas e Cristina ao defender a necessidade de que hajam mais debates antes do Projeto de Lei Complementar ser votado na Câmara de Vereadores.
– A lei de uso do solo precisa transmitir e dar tranquilidade às pessoas, e é justamente o que não estamos conseguindo ver hoje. Há necessidade de se discutir mais e se pautar pelo o que está previsto no Plano Diretor. Por isso fizemos e encaminhamos um ofício à Câmara esta semana. São 16 páginas onde fazemos diversos apontamentos e questionamentos a esse novo Projeto de Lei que trata da Lei de Zoneamento da cidade.
Durante a audiência pública também houve pedido para suspensão e arquivamento das discussões em torno da nova lei de zoneamento. Foi o que defendeu Chantal, da Ocupação Casa de Referência Inês Etienne Romeu. Ela questionou o motivo de tanta urgência para aprovação do PLC sem um debate maior envolvendo toda a população de Cabo Frio, e ainda lembrou de temas importantes que, por pouco, não ficaram de fora do projeto de lei.
– Me assusta muito o toque de caixa com que isso está sendo discutido. Esse projeto tem um impacto muito grande na realidade de todo mundo que está nessa sala, e mais ainda das pessoas que não estão, mas elas não estão sendo consultadas. A Prefeitura precisa visitar os bairros, fazer consultas e discutir com a população, saber a opinião. Precisamos ter uma consulta popular. O Sérgio (Nogueira), na sua apresentação, falou muito sobre a questão do meio ambiente, que a nova lei vai ampliar as áreas verdes, tem a questão da permeabilidade do solo… mas o próprio secretário (Matheus Aragutti) falou que tinha esquecido de colocar isso no projeto, e só lembrou porque alguém falou. Quais outros pontos tão importantes como esse estão faltando aqui? O secretário também elogiou o movimento social “Cabo Frio Sustentável” porque discutiu em 10 dias 72 pontos. E a gente acha isso bonito? Discutiu a toque de caixa porque era urgente. Mas não dá pra gente discutir um projeto desses em pouco tempo. Então, a pergunta que a gente faz é: “essa cidade está sendo projetada para quem?” É para agradar turista? É para a especulação imobiliária? Para as construtoras? Por tudo isso o nosso pedido é para o arquivamento e adiamento dessa discussão - defendeu.
Ao final da audiência, o vereador Luis Geraldo, presidente da CCJ, avaliou as discussões e rebateu comparações feitas entre Cabo Frio e um suposto progresso na cidade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Na cidade fica o Millennium Palace, um prédio residencial de 46 andares (cerca de 177 metros) que até 2018 era o mais alto do Brasil. Foi desbancado em 2022 pelo One Tower, com 77 andares, 290 metros de altura, e também localizado em Camboriú.
– Pude observar alguns fatos na audiência pública. Concordo com algumas coisas, discordo de outras. Por ser uma lei de 45 anos, acho que ela realmente precisa ser atualizada. Mas, de antemão, já me declaro contra qualquer tipo de verticalização em áreas consolidadas. Na audiência ouvi falar em “nova cidade”, mas a gente nem consegue cuidar da nossa cidade. Usar o pretexto do progresso é subjetivo. Usaram Camboriú como exemplo, um lugar onde o esgoto toma conta das praias, e às 14h o sol já não bate mais na orla por causa da altura dos prédios. Falam em atrair o turista, as famílias, mas não temos sequer uma UTI pediátrica ou neonatal. Então, como podemos falar em verticalização com tanta coisa mais urgente precisando ser resolvida? Como presidente da CCJ posso assegurar que vamos estudar a matéria e trazer técnicos que possam nos ajudar nessa avaliação. Mas não vão nos colocar goela abaixo nada que não seja muito bem estudado - garantiu.
O vereador Léo Mendes, que também integra a CCJ, é líder do governo na Câmara, e foi vice na chapa com a prefeita Magdala Furtado na eleição municipal do último dia 6, também se posicionou contra a aprovação do PLC sem mais debates.
– A matéria começou a ser discutida na Câmara nesta audiência pública, e ainda será discutida nas comissões internas da Câmara. No verão não conseguimos dar conta das pessoas que a gente já tem, imagina aumentando o gabarito sem organizar a cidade. Primeiro temos que nos organizar e só depois pensar em um futuro crescimento - afirmou.