O despejo de esgoto na Lagoa de Araruama, que há anos prejudica os pescadores da Praia do Siqueira, em Cabo Frio, agora também está fechando negócios. Em São Pedro da Aldeia, o restaurante Sal da Terra, na orla do bairro Boqueirão, encerrou as atividades depois que o mau cheiro afastou os clientes. Conforme a Folha antecipou na edição impresa da última sexta-feira, em um vídeo nas redes sociais, o empresário Fillipe Guia desabafou sobre os prejuízos acumulados desde novembro e lamentou a demissão de 14 funcionários.
– É com imensa tristeza e indignação que anunciamos o encerramento das atividades do Restaurante Sal da Terra, a partir desta sexta-feira. A Laguna de Araruama, um dos maiores patrimônios naturais da nossa região, vem sofrendo um crime ambiental sem precedentes, resultado da má gestão no fornecimento de água e no tratamento de esgoto por parte da Prolagos. Hoje, além de testemunharmos a degradação desse ecossistema tão importante, enfrentamos as consequências diretas dessa irresponsabilidade: 14 funcionários demitidos, sonhos interrompidos e um empreendimento construído com dedicação ao longo de quatro anos forçado a fechar as portas. Agradecemos imensamente a todos os amigos, familiares, seguidores e clientes que fizeram parte da nossa história, que compartilharam momentos inesquecíveis e que nos apoiaram ao longo dessa jornada. Isso não é um adeus, mas um até logo. Seguimos na luta por um futuro melhor para nossa cidade, nossa lagoa e nossa comunidade - escreveu Fillipe.
Nesta quarta-feira (19) o empresário participou de uma audiência pública na sede da Câmara de Vereadores aldeense. O debate, convocado pela OAB São Pedro da Aldeia e pelo movimento “A Laguna Sobrevive” para discutir o derramamento de esgoto na lagoa, aconteceu um dia depois de lideranças regionais se reunirem no Rio de Janeiro com o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado, Bernardo Rossi. O objetivo foi o de debater medidas de combate à poluição da Lagoa de Araruama, visando o fim do despejo de esgoto in natura.
Participaram da reunião o presidente do Inea, Renato Jordão; o superintendente do Inea na Região dos Lagos, Valdemir Dias, o presidente da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (AGENERSA), Rafael Menezes; a Secretária Executiva do Consórcio Intermunicipal Lagos São João (CILSJ), Adriana Saad; os representantes das secretarias de Meio Ambiente de Araruama, Arraial do Cabo e Cabo Frio, além do diretor-presidente da concessionária Prolagos, Sinval Andrade, e da diretora-executiva, Aline Póvoas. Também participaram os prefeitos de Cabo Frio, Serginho Azevedo; de São Pedro da Aldeia, Fábio do Pastel, e de Iguaba Grande, Fabinho, que é presidente do Consórcio. O órgão apresentou planos de ações futuras visando os cuidados com o corpo hídrico. As iniciativas, junto com medidas adotadas por cada município e pela concessionária, serão base para a busca de soluções em conjunto entre os órgãos responsáveis pela proteção e monitoramento da laguna. A prefeitura de Arraial do Cabo foi representada pelo secretário de Meio Ambiente, Jorge Oliveira.
Embora os pescadores da Praia do Siqueira, em Cabo Frio, venham sofrendo há anos com o despejo de esgoto na orla do bairro, toda essa recente movimentação aconteceu após uma série de vídeos feitos pela ONG “A Lagoa É Nossa” viralizarem nas redes sociais. Nos vídeos, eles denunciam a situação alarmante da orla do Boqueirão, Camerum e Mossoró. Em janeiro a Folha encaminhou alguns desses vídeos para a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa), que acabou realizando uma fiscalização extraordinária. Durante a ação, a técnicos confirmaram ter encontrado uma série de problemas, como despejo irregular de esgoto em alguns trechos da Lagoa em São Pedro da Aldeia, um deles na Praia do Boqueirão, onde funcionava o restaurante Sal da Terra. O resultado da inspeção gerou a abertura de um processo regulatório para monitorar as obras da Prolagos e garantir a resolução dos problemas que foram identificados após denúncia da Folha.
Após o vídeo de Fillipe Guia anunciando o fechamento do restaurante e demissão de 14 funcionários, o jornal entrou em contato com o secretário de Meio Ambiente de São Pedro da Aldeia, Mário Flávio Moreira, que negou a existência de despejo irregular de esgoto, apontado pela Agenersa após vistoria extraordinária.
– Ele não fechou o restaurante porque tem casa despejando esgoto no Boqueirão, não. Esse problema vem todo da Praia do Siqueira (em Cabo Frio). O grande problema em São Pedro era o Canal do Mossoró, que foi interceptado agora. Nós estamos com uma força tarefa aqui grande, trabalhando. Então, essa história de que a fiscalização da Agenersa encontrou despejo de esgoto no Boqueirão, isso não é verdade. A verdade é que a alga (vinda da Praia do Siqueira) encostou lá (na orla do Boqueirão) e apodreceu - disse Mário Flávio.
À Folha, a Prolagos disse que a orla do Boqueirão possui cinturão coletor de esgoto, e que o sistema de esgotamento sanitário da região segue operando normalmente. Já a Agenersa informou que continua monitorando e intensificando as ações de fiscalização na Região dos Lagos, e ressaltou que “segue cobrando da concessionária Prolagos medidas emergenciais para mitigar os impactos da poluição da Lagoa de Araruama”.
Questionada pela Folha sobre o problema da Praia da Siqueira (apontado por Mário Flávio como causa do problema na orla do Boqueirão,em São Pedro), a Prefeitura de Cabo Frio disse que a Secretaria de Meio Ambiente, Saneamento e Clima tem acompanhado de perto a ampliação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do bairro, realizando visitas técnicas e reuniões estratégicas para buscar soluções definitivas contra o despejo de esgoto in natura na Lagoa de Araruama. Mas afirmou que embora essa ampliação represente um passo importante, “a dragagem da área continua sendo essencial para a remoção da lama acumulada e a recuperação plena da lagoa”. Disse ainda que tem cobrado do governo estadual “um maior compromisso e celeridade nas intervenções, garantindo que as medidas adotadas resultem em avanços concretos”. Durante reunião de lideranças no Rio de Janeiro, o prefeito cabo-friense, Serginho Azevedo, reforçou a necessidade da dragagem na Praia do Siqueira.
– A dragagem é uma necessidade urgente. A lama que assola nossa laguna é um reflexo da poluição e da falta de investimentos anteriores em saneamento adequado. Precisamos garantir essa obra para devolver à população uma laguna saudável, com água limpa e condições para a pesca e o lazer. Nossa cidade tem um enorme potencial ambiental e turístico. A despoluição é um compromisso de gestão, e vamos seguir avançando para que Cabo Frio e toda a Região dos Lagos colham os frutos dessa transformação - enfatizou Serginho.
Ainda em nota, a prefeitura lembrou que outra medida importante para garantir o compromisso com a despoluição do corpo hídrico lagunar vem através da Lei 4.462/25, já sancionada. O texto determina a obrigatoriedade da implantação de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) em novos empreendimentos na cidade, visando reduzir os impactos ambientais e preservar os recursos hídricos do município.
Além dessas medidas, a reunião de lideranças no Rio de Janeiro tratou sobre a conclusão das obras de fechamento do cinturão de saneamento nas áreas ainda não contempladas; reuso das águas tratadas nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) de São Pedro da Aldeia e Iguaba Grande para abastecimento de áreas rurais; e continuidade da dragagem do Canal do Itajuru, visando melhorar a circulação da água e a qualidade ambiental da lagoa. O secretário de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Rossi, reforçou o compromisso do Governo do Estado com o saneamento ambiental e destacou que a despoluição da Lagoa de Araruama é uma prioridade.
– A parceria entre os municípios, o Estado e os órgãos reguladores é fundamental para garantir que essa transformação aconteça. Estamos empenhados em avançar com investimentos e ações concretas para recuperar a laguna, incluindo a avaliação da viabilidade da dragagem - afirmou Rossi.
Após a reunião, a Prolagos informou que “sete estações de tratamento e mais de cem estações de bombeamento de esgoto que compõem o sistema ajudam a evitar que cerca de cem milhões de litros de esgoto in natura sejam jogados por dia no meio ambiente”. Questionada sobre a necessidade de conclusão das obras do cinturão, a empresa disse à Folha que atualmente está investindo R$ 450 milhões, a maior parte com foco no sistema de esgotamento sanitário. Entre as intervenções realizadas, a concessionária destacou a construção de mais 26 quilômetros de cinturão coletor ao redor da lagoa, ampliando a barreira de proteção. A estrutura se soma aos 38 quilômetros de cinturão já existentes.
Além disso, garantiu que segue ampliando e modernizando as Estações de Tratamento de Esgoto, realizando intervenções nas unidades de São Pedro da Aldeia, nas duas de Cabo Frio e Arraial do Cabo. “A empresa também está adiantando investimentos emergencialmente em obras de ampliação do sistema nos bairros Camerum, São João e Morro dos Milagres, em São Pedro da Aldeia”. Ainda em nota, a Prolagos afirmou que “segue em contato permanente com as autoridades, comunidade pesqueira e associações de moradores para entender as principais demandas e buscar em conjunto novas ações”.