Você sabe qual a ligação do pintor holandês Vincent Willem van Gogh (morto na França há 133 anos) com Cabo Frio? A princípio, nenhuma. Mas basta conhecer o ator Daniel Ericsson pra isso mudar. Nascido na Suécia e “cabo-friense de alma”, como ele mesmo se define – “cresci aqui na cidade” –, Daniel fica até o próximo dia 20 de agosto está em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvin, no Rio de Janeiro, com o espetáculo “Um coração de Van Gogh”, inspirado em trechos da vida de um dos maiores representantes do pós-impressionismo no mundo.
A peça é a segunda parte de uma trilogia escrita pelo dramaturgo Rômulo Pacheco, que começou em 2015 com “Saliva de Rimbaud”. Com direção de Ticiana Studart, Daniel divide o palco com Xando Graça, Vitória Furtado e Renata Gasparim.
– É a primeira vez que trabalho com Rômulo Pacheco, autor da trilogia em questão. Estou encantado com a forma poética que ele usa para dissecar a psique humana através de seus personagens. Estamos vivendo o momento atual com todo o êxtase da alegria de estar em cartaz num teatro magnífico, com uma equipe maravilhosa. Se Deus quiser este será o primeiro de vários projetos – contou Daniel em conversa com a reportagem da Folha.
No espetáculo Daniel é Thuja (Daniel Ericsson), um pintor francês miserável, maníaco-depressivo que ama demais e que faz uso abusivo de álcool e drogas.
– A peça acompanha a vida de Thuja, que tem "um coração de Van Gogh", e seus convívios revelam seus conflitos internos e externos. Meu personagem vive sob a tutela financeira do amigo Otto (Xando Graça), que é um influente marchand e artista de formação acadêmica. É apaixonado por Sylvie (Renata Gasparim), uma alpinista social que não corresponde aos sentimentos que Thuja nutre e declara a ela. Tem ainda Lua (Vitória Furtado), uma prostituta com quem Thuja consegue manter uma relação de alívio de sua desilusão amorosa. Otto percebe a inabilidade do amigo em viver e amar, e monta esquemas para resgatar Thuja do abismo de suas confusões emocionais – antecipou o ator cabo-friense.
Mas, se a história gira em torno de Thuja, qual a relação do espetáculo com o pintor Vincent van Gonh? Segundo Daniel, o espetáculo é livremente baseado na personalidade artística e genial do grande pintor.
– Há referências diretas como a genialidade criativa e o pós-impressionismo. Mais do que isto, o autor busca trazer para o público uma questão: é possível ser genial na arte sem comprometer outros aspectos da vida? Até que ponto a intensidade artística pode comprometer as emoções do artista? São pontos que ligam o meu personagem, Thuja, ao genial pintor do século 19 – revelou Daniel.
O ator cabo-friense atua desde 2013. Ele contou que a paixão pelas artes começou cedo, mas a princípio somente por curiosidade, até que decidiu estudar teatro na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL). Hoje Daniel também escreve peças, dirige e dá aulas de interpretação para teatro, TV e cinema. Apesar da experiência, ele conta que dar vida à Thuja tem sido um desafio tanto profissional como pessoal e familiar.
– Me preparar para viver Thuja começou com um convite por telefone e uma conversa com minha esposa. Antes de preparar o personagem, é preciso preparar o ator. Eu e a Roberta temos a Marina (7 anos) e o José (8 meses). Ir para o Rio para o processo de ensaio significou pela primeira vez estar longe das crianças. Se não fosse pelo apoio da minha amada esposa, tão sensível e disposta a me ajudar neste momento, não seria possível. Principalmente porque a maternidade é um tema que deveria tocar mais os setores da sociedade: é uma demanda radical e assoreadora que limita e cerceia muito os direitos e possibilidades das mulheres. Mesmo assim, a partir disto e graças a isto, fui para o Rio e lá, junto de toda a equipe e elenco, nos preparamos fisicamente e mentalmente para levantar este espetáculo que está em cartaz.
Daniel diz que se sente honrado em representar uma personalidade que permeia o consciente humano há tanto tempo. Para ele, “van Gogh foi um criador compulsivo e de uma curva de evolução artística apavorante, que em diversas fases de maturidade revelou uma densidade ímpar em suas telas”.
– Buscar emoções que remetem a genialidade, doçura, pureza e ao mesmo tempo ao drama radical das dores humanas tem sido um desafio muito enriquecedor para mim como ator. Da mesma forma, o espetáculo também exige um cuidado, que é atingir limites da loucura que não tornem a apresentação amarga de se assistir. O desafio é dosar a loucura e genialidade com a delicadeza e a sensibilidade de um artista compulsivo.
Além do espetáculo, em breve Daniel também poderá ser visto nas telonas do cinema. Junto com Fernanda Torres, Dan Stulbach, Selton Mello e Fernanda Montenegro, ele também integra o elenco de “Ainda estou aqui”, novo filme de Walter Salles, que já está sendo gravado.
– Esta oportunidade surgiu através do convite de uma produtora de elenco que me encontrou nas redes sociais e me convidou para fazer o teste. No filme eu faço o Vinicius, que é um oficial militar. As gravações já estão acontecendo a todo vapor. É uma produção grandiosa e tem sido feita com muito cuidado e minúcia – revelou.
O filme é um drama baseado na história real de Eunice Paiva, mãe de cinco filhos que vive o maior desafio de sua vida: descobrir o paradeiro do marido, deputado Rubens Paiva, desaparecido nos anos 70, durante a ditadura militar, após ser arrancado de casa por militares para ser interrogado, e nunca mais foi visto. As filmagens começaram no último mês de junho. Ainda não há data de estreia.
Daniel Ericsson aproveitou para homenagear os artistas cabo-frienses e de cidades vizinhas.
– Passamos por um período difícil durante a pandemia, mas não só. A arte ainda sobrevive graças ao amor do artista. Não quero cair no discurso comum de reclamar da falta de incentivo porque isto já está dito ao nível do exaustivo. Mas quero deixar minha profunda gratidão de ser parte de uma turma que vai contra qualquer maré, buscando nosso espaço para expressar nosso ofício seja no teatro, na música, nas artes plásticas… São vários os artistas cabofrienses que estão hoje estudando em instituições renomadas no Rio, trabalhando no setor... Será injusto esquecer de alguém, mas para nomear alguns que representem a classe eu cito Paulo Mota, Gustavo Kyo, Ravi Arrabal, Jiddu Saldanha, Rafaela Solano, Gabriel Ericsson e André Rosa, entre tantos outros.
Ele também citou a importância das Secretarias Municipais de Cultura “que estão sempre representando nossa classe diante do Executivo”.
– Que a gente possa, a cada nova ,ter mais representatividade e campo de expressão, porque a arte é um alimento necessário na nutrição de um tecido social sadio - concluiu.