Ao longo dos mais de 400 anos de história de Cabo Frio, o tempo e a falta de manutenção se encarregaram de apagar muitas das marcas da rica trajetória da sétima cidade mais antiga do Brasil. A busca por recuperar uma fração, ainda que pequena, desse passado secular é o que moveu os esforços da artista visual Liana Turrini para reproduzir o desenho original dos azulejos que adornavam a parte externa do abrigo da Fonte do Itajuru. O projeto foi um dos selecionados pelo Edital Evandro Terra, da Secretaria Municipal de Cultura, com recursos da Lei Aldir Blanc, e está sendo lançado, em primeira mão, pela Folha dos Lagos.
A vontade de refazer os traços dos azulejos de origem portuguesa do século 19 teve início em 1999, quando Liana fez uma cópia do grafismo em papel seda, com medo de que o desenho se perdesse. Àquela época, há mais de 20 anos, a preocupação da artista pelo apagamento do patrimônio histórico já se justificava visto que, hoje em dia, praticamente não há mais registro material da sequência do desenho original. Atualmente, restam apenas dois azulejos com detalhes parciais do padrão geométrico adotado, semelhante à figura de um labirinto. Apenas para levantar as cores e padrões gráficos do desenho, foram três de meses de intenso trabalho de recuperação, cujo resultado teve os direitos autorais registrados no Código de Berna.
Os outros dois meses do prazo estabelecido pela secretaria foram usados para a análise das atas da Câmara de Cabo Frio, entre 1841 e 1850, pois em 1847, o imperador Dom Pedro II fez uma visita ao interior do estado do Rio de Janeiro, incluindo Cabo Frio, onde implantou políticas públicas para sanitarização da cidade, entre elas, obras na Fonte do Itajuru e no seu entorno. Segundo Liana, o projeto não é de restauração, mas de memória identitária e fortalecimento da identidade local.
– Quem trabalhou especificamente nesse projeto fui eu, sozinha, silenciosamente, numa iniciativa absolutamente espartana. Foi dificílimo chegar ao risco porque esse tipo de azulejo se chama ‘trompe-l’oeil’, que é tipo engana olho, um tipo de modalidade artística da época. Foi muito difícil pra eu chegar à grega [desenho] original – relembra.
Recuperado o desenho original, a intenção da artista é disseminá-lo para a população em geral, em meio às comemorações do Bicentenário da Independência (1822-2022). Para isso, o padrão gráfico redescoberto por Liana vai estampar camisas, canecas e outros objetos para popularizá-lo. Dentro da campanha “Fonte do Itajuru Artista resgata traços e história perdidos pelo tempo Projeto recupera desenho original dos azulejos da Fonte do Itajuru – Ontem, Hoje e Amanhã”, Liana conta que haverá uma série de ações, como a Rota do Azulejo, circuito gastronômico em que restaurantes participantes terão na fachada uma arte em azulejo (20 cm x 20 cm), com alguns dizeres e o nome do estabelecimento. A campanha de divulgação não faz parte do projeto original, financiado pela Lei Aldir Blanc.
Para Liana Turrini, seu movimento de resgate da memória cultural pode servir de impulso para uma possível restauração da própria Fonte do Itajuru no futuro.
– Acho que a campanha, que vai ter início no jornal, pode puxar o povo cabo-friense, a sociedade civil, e o próprio poder público e falar: ‘poxa, vamos lá, vamos arrumar o que é nosso, o que é da nossa origem, o que é nato dessa cidade’. É questão de memória mesmo, como a valorização do cidadão comum que mora e nasceu nessas praias – ponderou.