Em março comemora-se, mundialmente, o dia da mulher. Aprendemos que essa foi a data de um incêndio numa fábrica têxtil em Nova York, 1857, que matou cerca de 120 mulheres trabalhadoras. De acordo com essa informação, o incêndio foi provocado porque reivindicavam melhorias trabalhistas.
Não obstante, há provas de que esse incêndio acontecera na realidade em 25 de março de 1911 e não fora provocado como punição a protestos. Anterior a essa data já se comemorava um Dia Internacional da Mulher, mas sem um dia fixo, sendo que tal data fora proposta no 2º Congresso internacional de Mulheres Socialistas, em 1910. No início do séc. XX, a Rússia ainda era governada pelos czares. A Rússia era um território gigantesco, gelado, atrasado econômica e socialmente. Em 1905, o país teve sérios prejuízos com uma guerra com o Japão. Em 1914, o país sofreu com a 1º Guerra Mundial. Além do problema da guerra, a fome – agricultura precária – falta de moradia descente, falta de saneamento básico, desemprego, educação formal praticamente inexistente e inúmeros outros pesares faziam da Rússia um país péssimo para se viver. Diante de tantos problemas sociais, guerra e falta de democracia política, no dia 08 de março de 1917, milhares de mulheres em Petrogrado saíram às ruas protestando contra a ditadura, falta de políticas públicas e a ida dos homens para a guerra. Reivindicavam em um coro: “Pão, Paz e Terra”. O czar Nicolau II ordenou que os cossacos (polícia) atirassem na multidão. Contudo, para surpresa dele, os cossacos deixaram as armas e se juntaram a população, restando ao czar a renúncia imediata.
A Duma (parlamento) elegeu um governo provisório, Kerensky, que acabou com a censura e transitou o país para uma democracia. Ainda em 1917, Lênin chegou ao poder, transformando a Rússia em URSS. Posteriormente, Stalin transforma a URSS numa potência econômica, militar e social, apesar das controvérsias, inclusive minhas, de seus violentos e arrogantes métodos.
Em 8 de março de 1917, portanto, a força do protesto de mulheres russas muda a história de um país miserável, e não lutaram apenas por elas, lutaram por todos. Diferente de tantas outras datas comemorativas potencializadas e exploradas pelo comércio e por uma infantilização de presentes e homenagens, essa é uma data que nasceu da luta, seguida sim de conquistas, mas não ainda suficientes.
Pretendo com essa abordagem, refletir sobre a projeção da mulher enquanto ser capaz de lutas e revoluções, mas ainda muito aquém dos seus devidos direitos e defesas. Muitas pessoas pensam e acreditam que está tudo bem, que já conquistamos tudo o que queríamos e que chega de falar no assunto. Mas, será que essas conquistas alcançam e beneficiam a maioria das mulheres no Brasil e no mundo? Não é preciso ir muito longe para descobrir, basta ter sensibilidade e deixar a alienação de lado. Por isso, além da luta diária, ainda precisamos viver o 08 de março como dia a conferir visibilidade para questões que ainda incomodam muitos e desacomodam outros.
Alguns dados continuam me incomodando e desacomodando e por isso continuo questionando. Segundo a ONU, mais de 70% das pessoas que vivem na pobreza são mulheres; no Brasil, as mulheres invadem o mercado de trabalho lado a lado com os homens, somam 30% “dos” chefes de família, mas, mesmo assim, ganham em média 65% do valor dos salários dos homens, mesmo estudando mais; ter sexo feminino determina, em muitos lugares do mundo, levar uma vida pior que a dos homens, inclusive, nem sequer chegar a nascer. Li dias desses um relatório do Fórum Econômico Mundial que afirmava que a igualdade de gêneros só se dará – se continuarmos na evolução pelos direitos das mulheres – em 2095, fora isso e tão ou mais assustador e angustiante é que a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas no Brasil, que ocupa o 5º lugar mundial de violência contra a mulher - 89% dos crimes de violência sexual são contra mulheres – E os tratamentos machistas? Somariam aqui inúmeros exemplos.
A América Latina está na linha de frente da representação feminina na política, mas isso ainda não garante conquistas dos direitos das mulheres, pois 53% das latinas sofrem violência. A América Latina é um lugar perigoso para se ser mulher (onde não é?) e registra taxas recordes de violência de gênero todos os anos. Agora que casais são obrigados a viver juntos por tempo indeterminado, elas se encontram em uma situação ainda mais delicada que antes, pois não podem deixar as casas devido ao isolamento social e muitas nem têm outro lugar para ir. Outras têm mais medo de irem para algum hospital e correrem o risco de serem infectadas pelo coronavírus e morrerem sozinhas. Sendo assim, a única solução que essas mulheres encontram são ligações para denunciar os parceiros, e o número de denúncias já subiu no Brasil, Argentina e Colômbia.
Antes de comemorarmos esse dia da forma como nos propõem, é necessário um pouco de reflexão, um tanto de indignação e muita mobilização. A luta por igualdade, empoderamento feminino não é vitimização. Igualdade de oportunidades entre mulheres e homens significa a superação de barreiras na participação econômica, política, social e demais dimensões da vida de ambos, exercendo todas as suas potencialidades, a despeito das diferenças (será?) entre sentir, pensar e fazer de um e de outro. E mais, beneficia a toda sociedade, não só as mulheres.
Entendo que para as pessoas menos familiarizadas com esse tema algumas considerações possam parecer exagero. Já fui assim também. Achava algumas reações exacerbadas. Aí, eu descobri duas realidades: a primeira é que ninguém tem o direito de julgar uma luta sem a conhecer de fato. A segunda é que nenhuma reação é exacerbada quando se trata de quebrar um paradigma milenar e de enfrentar o preconceito, a violência e o destrato. Cada mini coisinha conta. As estatísticas estão aí, é só estudá-las.
Cada reclamadinha que a gente dá pode gerar questionamento em alguém – apesar de gerar chacota dos que nunca sentiram na pele o que a mulher passa e que, por serem incapazes de empatia, minimizam qualquer manifestação como papinho da feminista, porque papinho machista pode né? Só existe feminismo porque, antes, existe machismo. E não, não são palavras antagônicas! O machismo é danoso e cruel, o feminsmo busca paridade. Há algum tempo me intitulo feminista por, liberta das amarras conservadoras e repressoras a que fui submetida em algumas fases da minha vida, entendi que contra tudo que informei acima e ainda outros fatores e estatísticas que merecem uma profusão de textos, artigos, crônicas, narrativas, poemas, letras de músicas, teses, reportagens e infinitis gêneros textuais... O gênero feminio precisa resistir, aparecer e prevalecer. Se o preço pela coragem em tocar neste assunto for ser rotulada, tudo bem, que assim seja, a feminista aqui não se ofende, desde que se reflita e não se ofenda, destrate, desfavoreça ou violente mais – física ou psicologicamente – nenhuma mulher. Combinado