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Coluna

Relações líquidas no futebol

07 julho 2023 - 08h28

O mundo moderno e líquido, já dizia o sociólogo Z. Bauman, é feito de relações efêmeras. A descontinuidade dos afetos, os acordos curtos, desenhados por éticas recém estabelecidas, nos coloca diante de vínculos que podem ser rompidos a qualquer momento. Pois bem, na modernidade estudada por Bauman, as relações líquidas, às vezes, nos pegam de surpresa.

Infelizmente o sociólogo citado, falecido em 2017, não teve a oportunidade de ver as novas e liquidíssimas relações estabelecidas no futebol brasileiro. E o caso é uma espécie de triângulo amoroso (não sei ainda se há alguma sacanagem aqui) envolvendo a CBF, o técnico Fernando Diniz e o Fluminense. Fato é que, desde quando Diniz foi anunciado como técnico da seleção, sem deixar o Fluminense, as manchetes vêm dando muito pano para roupa íntima.

Fernando Diniz ganhou força e destaque no futebol nacional treinando o Fluminense. Desde o ano passado ele implantou uma forma de jogo que encantou muitos e muitas. Toques curtos, triangulações bonitas, aproximação de jogadores em torno da bola, uma saída de bola sem chutão e belos lances e gols. O ousado trabalho do técnico vestiu com elegância o futebol do tricolor das Laranjeiras.

Foi por isso que se fez coro para que ele treinasse a seleção brasileira, então sem comandante desde o fracasso na Copa do Mundo do Catar. Mas a vontade de Ednaldo Rodrigues, presidente da entidade máxima do nosso futebol, tem firmeza. Por isso, bateu pé, insistiu, disse que esperaria o quanto fosse preciso pela chegada do italiano Carlo Ancelotti, que ainda tem contrato com o poderoso Real Madrid.

Vejam que o triângulo amoroso aqui ganha mais uma ponta e se transforma em um quadrado reluzente de paixões e flertes.

Ednaldo, então, fez o seguinte: já que, imediatamente, não poderia ter sua vontade satisfeita pelos laços táticos de Ancelotti, assinou com Diniz um contrato de trabalho com duração de um ano (parece até uma prefeitura que não faz concurso e contrata professor por apenas dez meses). Diniz vai atuar como técnico tampão (nome feio, porém bem mais popular que interino).

O mais estranho disso (para alguns, o mais vergonhoso, indecoroso ou até promíscuo para os mais severos) é o fato de Diniz não deixar o comando técnico do Fluminense. Ele será técnico dos dois ao mesmo tempo, seleção e clube. As três partes, incluindo aqui a CBF, e excluindo ali o Ancelotti, não veem problema na relação líquida de um ano de contrato, tampouco na relação dupla de ficar com dois ao mesmo tempo. Tomara que estejam sendo honestos!

A julgar pelo que rola dentro do campo, não vejo sentido. O futebol proposto por Diniz em nada tem a ver com aquele ensinado por Ancelotti. Talvez sejam até antagônicos. Então, não seria essa uma decisão descabida? E mais, se a seleção passar a fazer o que Ednaldo anunciou há meses, “resgatar o futebol brasileiro!” e jogar bonito, encantando com a elegância das medidas bem talhadas do dinizismo, como vai ficar a relação com o torcedor ao fim do contrato? É bom a CBF entender que as relações, ainda que líquidas, podem produzir paixões, brigas e ressentimentos.

Há a possibilidade de Ednaldo ser sadista e estar usando Fernando Diniz como boi de piranha ao deixá-lo ir na frente. Se a coisa piorar ainda mais, Ancelotti chega e conserta a já engasgada máquina de futebol do Brasil. Tudo é possível nas relações líquidas.

Da parte do Fluminense, a coisa parece financeiramente atraente. Em todo caso, não irei dar nome a isso aqui na crônica. Para o torcedor sobrou o voyeurismo. Estamos a observar. Entendendo pouco e torcendo para que, no final, seja bom para você também.