Não pode. A legislação brasileira não permite que uma pessoa menor de 16 anos se relacione com um adulto, mesmo que consensualmente. Pintar um clima com uma criança de 13 ou 14 anos, portanto, não autoriza um envolvimento amoroso. Sendo assim, se um adulto perceber um clima com uma criança, jamais deve se aproximar para desenrolar a situação. Se houver indícios de que esta criança é vítima de exploração sexual, não entre no prostíbulo, mesmo que por curiosidade, e chame o Conselho Tutelar.
Apesar do Brasil ser um país com leis construídas sob a influência da moral cristã, o sistema político produziu aberrações um tanto contraditórias para facilitar as relações sociais de um perfil bem específico da nossa sociedade: o homem, o macho. Segundo dados da Unicef, o Brasil ocupa o quarto lugar em casamentos infantis no mundo, perdendo apenas para Índia, Bangladesh e Nigéria. Adolescentes entre 16 e 18 anos do gênero feminino são as que mais se casam com homens adultos, que possuem uma média de nove anos a mais que elas.
Até o ano de 2019, a Justiça poderia receber pedidos de casamento para menores de 15 anos, aceitos em casos de gravidez. Essa realidade mudou após o projeto de lei da deputada Laura Carneiro, que proibiu o ato civil para menor de 15 anos independente da condição. A proposta foi uma reparação histórica para a defesa da infância, porém não resolveu todos os problemas. Se antes os homens adultos engravidavam meninas para criar uma brecha na lei, a proibição do casamento ou o crime de estupro de vulnerável ainda não impedem que homens continuem a violar a infância. Isso porque a situação ganha ares mais complexos quando se depara com a cultura de sexualização precoce de meninas no Brasil.
Falas como “pintou um clima” ou “deu condição” aparecem para justificar o estupro, pois se utilizam de uma suposta autonomia dessas crianças para decidir sobre tal ato. Pior: muitas vezes justifica-se um estupro ao responsabilizar a criança devido a satisfação sexual que ela sentiu. Esse é um grande paradoxo da moral cristã, pois ao passo que prefere negar a sexualidade infantil, culpabiliza a criança quando percebe que ela possui sexualidade. Freud, o teórico da psicanálise, foi pioneiro ao demonstrar que crianças possuem sexualidade, que obtém prazer de várias fontes durante a infância. Cabe a nós, a partir desta constatação, dar um passo além e sacramentar que nenhuma dessas fontes sexuais deve ser um adulto.
Mudar a cultura da sexualização precoce de meninas não será fácil, mas o primeiro passo é não admitir sua naturalização durante o cotidiano de nossas vidas. Se a palavra é o ensaio de um desejo, é preciso reconhecer a perversão daqueles que diminuem a gravidade do estupro ou, pior, culpabilizam crianças. A responsabilidade é do adulto e sempre será.