A defesa pública do retorno a ditadura tem se tornado um fenômeno social preocupante. O argumento comumente utilizado, na verdade um eufemismo, substitui o termo ditadura por intervenção. Ao público com mais informação do que conhecimento, isso basta para o convencimento e adesão, expondo todos os sentimentos que acompanham a política do arbítrio, ou seja, a intolerância, o autoritarismo, a legitimação da tortura e o cerceamento das liberdades fundamentais.
O mesmo argumento da intervenção foi utilizado na aurora de 64. O que foi um golpe ao Estado Democrático de Direito, foi chamado e endossado como revolução. Só que logo as classes civis notaram que a promessa de restituição do poder às bases democráticas, com o esperado realinhamento das forças de centro-direita no comando do país não se concretizaram. A participação dos segmentos civis ficaria sob os coturnos e quepes. Nesse ínterim, os sucessivos Atos Institucionais reforçavam o aspecto ditatorial e mostrava um horizonte cada vez mais distante para as liberdades de escolha, de expressão e de participação social efetiva na vida pública.
Muitos ainda interpretam o regime ditatorial civil/militar que tivemos como um conto de fadas. Esforçam-se numa agonia intelectual para justificar o injustificável. Qualquer análise mais ponderada vai notar as tintas da corrupção, as profundas desigualdades sociais e uma política macroeconômica que cobrou seu preço por mais de uma década após o fim do regime. Só que os cárceres, os torturadores, as baionetas, se encarregavam de caçar quem ousasse mostrar a nudez do rei.
Hoje vivemos numa democracia consolidada. Com suas imperfeições é bem verdade, mas que avança com bons passos. Justificar um novo golpe com o argumento de que vivemos uma ditadura petista, bolivariana, neo-soviética ou pós-cubana é, no mínimo, desonesto. Isso para não dizer que se passa de um argumento pobre, oportunista e medíocre. Se os governos possuem defeitos, estão mais ou menos permeáveis às infiltrações dos corruptores, cabe a sociedade (e nela incluímos a classe política) saber se utilizar de todos os mecanismos possíveis, dentro das leis e da constituição, para que se fortaleçam os valores positivos pertinentes à coisa pública.
Portanto, beira o ridículo dizer que para melhorar a democracia se faz necessário feri-la de morte em seus fundamentos. O problema é que os arautos desse absurdo se tornaram sem-vergonhas. Cada vez mais não se percebe o menor pudor em suas manifestações de rua para defender o retorno a ditadura. Porque é isso que defendem. Sem os contorcionismos de intervenção, livramento do comunismo, das influências das minorias e tal... Defendem a ditadura. Defendem a violência, a tortura, a exclusão, o crime ocultado, o silêncio imposto, a morte como meio, o arbítrio como fim.
Particularmente considero sagrado o meu direito de discordar. O meu direito de votar e ser votado. De exigir o combate ao que está errado sem que com isso eu pague com a minha vida, com a vida dos meus parentes, amigos e demais cidadãos. O meu direito de escolha não pode se subordinar ao medo de viver.
É hora de mostrar o repúdio às quimeras dos autoritários. Eles não representam um sonho de um Brasil melhor e sim, o pesadelo carregado nas tintas do ódio.