Na edição 5998 da Folha dos Lagos, comentei em minha coluna que “eu entendo que os intelectuais são os responsáveis por ditarem os rumos da humanidade, uma vez que suas teorias impactam a visão de mundo das pessoas e até mesmo implicam na adoção de determinadas políticas governamentais”. No texto de hoje, tratarei justamente sobre isso: o peso dos intelectuais na história.
Como humanos, o que nos diferencia de outros animais é a nossa inteligência aprimorada. Conseguimos realizar abstrações profundas e de variados níveis, algo impossível a outros seres deste planeta. Isso faz com que tenhamos uma vantagem imensa sobre as demais espécies da Terra, por mais que nasçamos em condições não favoráveis (afinal, não temos garras, presas ou nenhum outro aparato natural para a defesa ou ataque).
Todo homo sapiens é chamado a realizar a sua vocação: pensar. É lógico que nem todas as pessoas seguem uma vida intelectual e contemplativa, mas o exercício da reflexão e da busca pelo conhecimento não se destina exclusivamente aos acadêmicos. Como bem disse Sócrates na sua Apologia, “uma vida não examinada não merece ser vivida”.
Por isso, aqueles que se dedicam integralmente ao ofício do pensamento (os intelectuais) são os sujeitos que conduzem os rumos da humanidade. E dizer isso pode soar muito estranho, uma vez que vivemos em mundo tecnocrático e que valoriza efemeridades, mas eu garanto ao leitor que essa afirmação tem lastro na verdade.
A classe intelectual produz os debates e os projetos de mundo que serão adotados (ou não) pela sociedade, mídia e governos. O embate das ideias é, de longe, o mais sério de todos, embora seja o menos contemplado pelo grande público (por fatores que vão desde a baixa educação das massas até problemas culturais).
O fato de vivermos em um sistema capitalista é, por si só, uma demonstração clara da validade do que digo aqui. O forte impacto promovido pelo clássico “A Riqueza das Nações”, de Adam Smith, foi decisivo para que a Economia se tornasse uma ciência autônoma e o mercantilismo fosse progressivamente substituído por um modelo de economia de mercado.
A própria modernidade é também fruto de discussões filosóficas e embates intelectuais. A publicação de “O Discurso do Método”, escrito por Descartes, é considerada por muitos historiadores da filosofia como o marco inicial do pensamento moderno. Mas é com o empirismo inglês e com os iluminismos escocês e francês que as discussões sobre política, religião, estética, ciência, ética e afins tomam um rumo diferente, impactando na construção de uma nova sociedade que progressivamente se afastaria da visão de mundo do homem antigo (fato que trouxe pontos positivos, mas também alguns problemas que já abordei nesta coluna).
As toscas e enfadonhas discussões atuais sobre gênero e sexualidade (tão enfáticas por parte de uma geração que, de acordo com estudos, tem menos relações sexuais que as anteriores) são frutos de longos e antigos debates acadêmicos. Não foram ideias gestadas ontem e que se espalharam rapidamente como um vídeo viral da internet. As origens desse cenário são vistas, sobretudo (mas não unicamente), no século XX, momento da história em que a Revolução Sexual e as ondas feministas explodiram após décadas de produções sobre esses temas dentro da psicanálise, psicologia, ciências sociais, antropologia, filosofia, literatura e afins.
O intelecto humano opera para o bem ou para o mal. É bastante evidente (e inegável) que as ideias possuem as suas consequências. E cada vez mais somos chamados a exercer a capacidade de estudar, conhecer e refletir, pois há muito joio disfarçado de trigo dentro e fora da academia.