À primeira vista, a defesa da operação no Jacarezinho/RJ parece uma otimista proposta para apoiar a instituição militar e bradar contra o crime organizado, porém tal defesa revela indícios muito consistentes de que o processo penal, garantido pela constituição, pode ser facilmente substituído pela justiça com as próprias mãos.
Os posicionamentos vistos nas redes sociais colocaram o cidadão comum no epicentro da ação. Trata-se não só da possibilidade de um agente do Estado executar pessoas, mas da nítida potencialidade de um justiceiro representar uma grande parcela da população e ganhar ares de herói. O justiceiro é uma figura muito presente no imaginário coletivo, criado sob a narrativa de reparar desvios e deficiências da justiça comum e causar uma sensação de alívio social. Cada vez mais essas figuras saem das telas para a realidade, respaldadas em um grupo sedento por um corpo que ocupe este lugar. Esse corpo pode ter um rosto, como juízes parciais e políticos saudosos por torturadores, mas pode ser unicamente institucional, como a polícia, o exército, a milícia, o tráfico e até a igreja.
Um dos principais benefícios do processo civilizatório é a terceirização do julgamento, isto é, uma análise de crime feita a partir de um método pautado na razão e não na emoção, baseado em um conjunto de leis aplicadas por um juiz. A civilização, portanto, garantiu que o processo penal diminua situações de injustiça e, sobretudo, não puna um criminoso com a barbárie que ele próprio cometeu. Não reproduzir a máxima do código de Hamurabi – “olho por olho, dente por dente” – é a prova cabal da intenção humana de romper com a estrutura bestial de tempos sem regras. Parafraseando Freud, a justiça é um direito para o qual todos contribuem sacrificando seus impulsos.
O processo penal se inicia com uma investigação e é sucedido pelo indiciamento do autor, análise da denúncia por um promotor, pronúncia do acusado e, por fim, o julgamento. Um processo longo, burocrático por inerência e, diversas vezes, incompreensível para leigos. Esse é o preço de uma justiça feita para não falhar e que, mesmo assim, naturaliza o fato de 33% dos presos no Brasil não terem sequer visto um juiz desde sua prisão. No Brasil, qualquer execução pode configurar um crime, e acenar para uma pena de morte é assumir a incapacidade de ser civilizado.