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Coluna

Alguém me explica

15 julho 2021 - 11h57

Alguém pode por favor me explicar por que um homem branco é filmado agredindo sua mulher na frente de uma criança recém-nascida e ganha milhares de seguidores na sua conta do instagram? Enquanto Karol Conká foi triturada, ameaçada, cancelada pela sua participação no BBB... Aliás, seu filho, que nada tinha a ver com a história, também foi alvo do ódio coletivo desproporcional.

Alguém pode me explicar por que uma mulher branca e rica pode gritar, xingar e ofender policiais durante uma operação feita para suspender uma festa clandestina (porém de milionários) sem ser detida ou levar voz de prisão por desacato? Aliás, uma das falas da dita cuja foi “vão pra favela”, como se só na favela houvesse crime e bandido, né? E olha que não é a primeira vez que vejo sendo noticiado um branco rico ofendendo policias e saindo ilesos.

Alguém pode me dizer por que uma criança que engravidou a partir de um ESTUPRO e consegue o direito ao aborto legal, foi recebida na porta do hospital por não sei quantas pessoas gritando que ela era uma criminosa? Espera aí, deixa eu falar isso de novo. Uma CRIANÇA que foi ESTUPRADA foi chamada de criminosa! É isso? Vou citar aqui uma frase de Ariano Suassuna: “O fanatismo e a inteligência nunca moraram na mesma casa”.

Alguém me diz como um casal de brancos da zona sul do Rio pôde parar um homem negro no meio da rua, e se sentir à vontade de o acusar de ter roubado uma bicicleta elétrica que aparentemente pertencia a eles? O homem precisou provar que a bicicleta era mesmo dele, mas não por vontade própria, já que eles também acharam super normal pegar sem permissão o cadeado da bicicleta pra testar se a chave funcionaria, e não funcionou. Me pergunto se o casal faria o mesmo se fosse uma pessoa branca usando a bicicleta. O que mais tarde ficou provado que o verdadeiro assaltante era (pasmem) um homem branco morador da zona sul.

Alguém tem alguma teoria plausível de por que um casal foi impedido de se vacinar usando uma camisa contra o governo Bolsonaro? Ele e a esposa só puderam se vacinar após colocar a blusa do avesso, pois um soldado os proibiu de fazer protestos políticos enquanto se vacinavam. O que me faz lembrar de um outro caso ainda pior onde um professor foi preso por se negar a retirar uma faixa de seu próprio carro que dizia “Fora Bolsonaro Genocida”. Nas imagens da prisão o policial diz que o enquadraria na Lei de Segurança Nacional por calúnia contra o presidente.

Tudo bem, você não precisa me explicar nada disso. É óbvio que eu sei o motivo de cada ação dessas que eu comentei. É que mesmo sabendo, mesmo prevendo, mesmo entendendo, ainda aterrorizam, ainda geram desespero e principalmente desesperança. E também é por isso que eu não vou desistir de falar sobre isso todos os dias, ou semanalmente por aqui. Porque existe um fato irrefutável: vivemos numa sociedade que elegeu Bolsonaro. E Bolsonaro é a figura mais grotesca que já sentou na cadeira de presidente. Denise Mantovani diz o seguinte: “No Brasil, o bolsonarismo articula-se sob essa mesma agenda extremista de direita, de apologia à violência, de enaltecimento ao militarismo, ao autoritarismo, de propagação do ódio racista, sexista e homofóbico, de discursos reacionários articulados por um moralismo de direita que reafirma e naturaliza hierarquias.”. E o que dá menos paz é saber que bem antes de se tornar presidente, Jair não escondia suas posições absurdas e preconceitos. Jair nunca deixou de falar um só coisa que passasse em sua cabeça, por mais esdruxula que fosse.

Lembro que antes das eleições entrei em pânico. Primeiro porque eu jurava que nunca uma figura tão tosca como Bolsonaro pudesse se tornar presidente. Depois porque comecei a perceber que pessoas próximas a mim tinham pensamentos parecidos, e começaram a ganhar carta branca para colocar todo e qualquer pensamento estapafúrdio pra fora mascarado de “mas é só minha opinião”. As pessoas começaram a brotar do chão para apoiá-lo, famílias sendo divididas, amizades sendo desfeitas, caos. E eu lembro bem de falarem: “Nossa, você vai se afastar só por causa de uma divergência de opiniões?”.

– Meu anjo, opinião é se você prefere feijão preto ou branco, se você curte mais azul que rosa, se você acha jiló horrível. Isso é considerado opinião. Quando a sua “opinião” está ligada diretamente ao direito de existir de outras pessoas, ela está LONGE de ser opinião, por mais que você queira muito que seja.

Deixo mais uma fala de Denise aqui pra reforçar o que acabei de dizer: “As pessoas que mais sofrem, que estão mais expostas e vulneráveis diante da ausência de um Estado social, são as mulheres e homens negros, mulheres, homens e crianças indígenas, minorias étnicas e população pobre, sem acesso a bens básicos. Assim como o machismo e o sexismo que afetam as mulheres, o racismo estrutural atua em profundidade nesse cruzamento, num modelo genocida, com desdenho e omissão diante da destruição de vidas humanas”. É isso.