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Coluna

A carta

30 setembro 2021 - 15h47

Eu tinha apenas 9 anos e ainda me lembro bem. Acordava cedinho, tomava meu café da manhã, cumpria algumas tarefas de casa e também da escola, ao término corria para o portão. Relógio alinhado com o dos Correios. Descia o carteiro caminhando apressado. Imagino que o diálogo interno o permitia ouvir o clamor do próprio estômago. Cartas e mais cartas nas mãos e meu olhar de menina indagava. Ele já sabia e sorria ao chegar perto. Logo vinha a frustração. Nenhuma carta para a senhorita, dizia. Meu olhar se recolhia. A vontade de receber uma carta era gigante. Imensurável! Entrava correndo. A cena se repetia. Caderno, caneta, palavras. Inúmeras palavras, incontáveis expressões. Era um externar contínuo, um anseio por reciprocidade. Recordo uma agência dos Correios duas ruas acima da nossa residência. Passei a observar.

Como postar uma carta, era a indagação. Certo dia tive coragem. Bendito dia! Postei uma carta para mim mesma. Por três dias esperei. Do mesmo portão avistava o carteiro. Desta vez um sorriso diferente, quase entregando a surpresa que eu mesma havia me proporcionado. Desta vez fui recíproca, sorri. Meu olhar de menina quase entregou tal propósito.

Sentada à beira da calçada, mãos estendidas, finalmente recepcionei minha carta. Era para mim! Que imaginação! Tal anseio me arrancou sorrisos, fazendo brilhar os olhos do carteiro. Jamais soube seu nome. Falhei! Aquele anônimo testemunhou minha alegria. Merecia ser lembrado por quem é. Por sua identidade.

Fiquei ali por alguns instantes e decidi abrir a carta, recordar as palavras que havia dedicado a mim. Assim dizia: – Querida Vivi, vejo você todos os dias. Seu sorriso, seus gritos, seus silêncios e sua ternura. Vi como ficou feliz ao descobrir o significado de cinco palavras novas no dicionário da biblioteca na aula passada. Vi que chorou por não poder comprar aquele livro que nem você sabe o nome. Te vejo todos os dias esperando uma carta. Sei que fica muito triste por não receber, mas quero que saiba que você não está sozinha. Estou em cada palavra nova que você aprende. Estou na intenção do seu coração, de abraçar todos ao seu redor com palavras. Não gaste seu tempo sem propósito ele vai passar depressa. Com carinho, seu coração. 

Sabe querido leitor, recordar aquele dia renova minha esperança. Claro que não pude detalhar os erros ortográficos, mas confesso, bem poucos. Exercitei escrever para mim mesma por um tempo. Depois o fiz para outras pessoas. Ouvir alguém dizer que ler minha carta havia feito bem, me ajudava a compreender tal missão.

Lamento não haver mais esta prática. Muita tecnologia e pouco diálogo. Muita observação de vidas alheias, pouco compreender dos próprios sentimentos. Muita dependência de curtidas, pouco aceitação pessoal. Muitas bandeiras erguidas contra o suicídio, mas as emoções enfermas e aborto dos sonhos. 

Fico com as palavras. As proclamo, as liberto e deixo Deus abraçar a humanidade através da minha arte. Fica a dica, queridos leitores. Aceito cartas e as respondo. Bom dia Região dos Lagos. Bom dia, Cabo Frio. Afetuoso abraço.