De todos, o voto ideológico é o viés de escolha e análise mais complexos. Em uma democracia pluripartidária como a nossa, seria esperado que conseguíssemos interpretar os matizes do espectro político a partir das legendas partidárias. Na prática, porém, essa seria uma abordagem, no mínimo, problemática. São raríssimos, quase arqueológicos, os casos nos quais um político profissional, um candidato ou mesmo um filiado se juntam a um determinado partido em função do alinhamento da ideologia de sua aderência com o partido que expresse essa preferência. Ou seja, junta-se porque assume-se comunista, trabalhista, social-democrata, democrata-cristão, socialista, liberal, ecologista, republicano ou mesmo a siglas que mais especificamente se remetem a termos difusos como “renovação da ordem” ou de escopo específico como o “da mulher” ou “dos aposentados”.
Esse problema também se estende as composições eleitorais. Alianças improváveis (algumas delas reprováveis) são estabelecidas em nome de interesses imediatos, quase todos restritos à órbita eleitoral. O pragmatismo em seu estado mais decantado, também se prolongará para o exercício dos mandatos, nos quais, novamente, retornam as composições por cargos, indicações e coisas do gênero. Assim, pouco ou quase nenhum espaço sobra para que as ideologias conduzam o processo político como um todo.
Mas, sim, o voto ideológico ainda existe, assim como partidos ou movimentos que mantém um grau maior de coerência (assim como os seus correlegionários e eleitos). A cabeça do eleitor ideológico, ao contrário do eleitor “comum”, já presume que os seus referenciais existenciais, morais, as condicionantes da sua visão de mundo e do como filosófica e pragmaticamente a política deve se comportar nesses contextos produzam os efeitos concretos esperados. É uma abordagem diferente do valor utilitário do voto, já seu interesse se amplia para uma concepção universalista: Um projeto de estado, de governo, ser humano ou de sociedade, por exemplo. Dito de um modo mais simples, sua ideologia e escolha partidária já presumem tipos específicos de relações sociais correspondentes. E, claro, há uma expectativa sobre as utilidades desse voto, só que ancoradas nem sempre em critérios fáticos, deixando-se muitas vezes se perder nas brumas da demagogia. Mas há também os que cobram meticulosamente que se cumpram as promessas esperadas, sobretudo para sua camada social imediata.
Isso não significa que, por si só, que o voto ideológico seja o que produz os melhores efeitos sociais, pois aqui entra um fator importantíssimo: De qual ideologia estamos falando. Para piorar, caso a concepção ideológica se torne cega e com contornos autoritários, quando seus adeptos passam a considerá-la como a verdade absoluta e não a tratam com a criticidade e as necessárias atualizações demandadas pela realidade, floresce o fanatismo. De qualquer modo, é tipo de voto mais poderoso e desejado. Na próxima semana, falaremos do voto emocional e suas consequências.