Em sua Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith traz uma perturbadora reflexão acerca da natureza humana a partir de uma questão relativamente simples: qual a finalidade da ambição da busca da riqueza, poder e preeminência? Poderíamos optar pela resposta mais óbvia, a satisfação das necessidades fundamentais. Entretanto, pondera o autor de “A Riqueza das
Nações”, o salário de um modesto trabalhador pode, com todas as dificuldades possíveis e imaginárias, supri-las também. Ocorre que os que buscam a riqueza, o poder e a preeminência sentem aversão a essa simplicidade, ou seja, desejam mais do que a mera satisfação. O que desejam? A satisfação de sua vaidade. Talvez isso explique, de certo modo, a aversão visceral que a classe política desenvolve com relação ao povo. Mesmo os políticos vindos das classes populares, uma vez com mandatos ou dentro do círculo de relações e acordos, não medem esforços para mostrar a que mundo pertencem agora.
Assim, não há espaço para pudores, já que o melhor remédio para a corrupção é a relatividade que as justificativas hipócritas podem proporcionar. E a maior delas é a certeza da conivência daqueles que ainda não usufruem desses mesmos expedientes apenas por falta de oportunidade. Por isso, pessoas que ontem compravam o almoço fiado para comê-lo na janta, não tem o menor constrangimento de mostrar um patrimônio exuberante, clara e evidentemente incompatível com quem recebe salário. E é preciso mostrar-se. O que importa não é a tranquilidade ou o prazer, mas sim a vaidade. Smith prossegue mostrando que é a vaidade quem nos dá a certeza de sermos objetos de atenção de todos, de nos tornarmos o comentário do dia e que nos prende a necessidade intrínseca de sermos aprovados em tudo, por todos e em todos os momentos. Como bem escreveu Machado de Assis, por meio de Bentinho, o narradorpersonagem de Dom Casmurro, a
vaidade é o princípio da corrupção.
Num texto de Flaubert (que não é baseado na legenda áurea, registre-se) o Diabo retorna à caverna de Antão (o santo) com um sorriso nos lábios quando ouviu a vaidosa autodeclaração de santidade em sua oração. Salomão, nos Eclesiastes, condena a vaidade como uma enorme perda de tempo, já que tudo se fará novamente debaixo do sol... Qual seria então a solução? Procurarmos decorar a vaidade com o papel de parede da humildade? Pouco provável, admoestaria Millôr Fernandes, o Sábio, já que não ter vaidade talvez seja a maior de todas elas.
Em tempos tão medíocres, é até compreensível que aqueles que fazem tão pouco consigam achar-se tão grandes. E para que a vaidade se transforme em certeza, é preciso o papel do bajulador, do adulador, uma espécie que vive das mesmas
ilusões do vaidoso, só que um tem dinheiro, poder e posição; o outro, apenas, e quando muito, o fato de achar-se próximo daqueles que têm o que ele apenas crê que um dia conseguirá. Essa é a sina da vaidade – assim finaliza Shakespeare –,
aquele que gosta de ser adulado é digno do adulador.
(*) Paulo Cotias é professor de História.