Um dos grandes desafios da educação contemporânea é recuperar os sentidos do conhecimento. Quando falamos recuperar, aparentemente nos referimos a algo que foi perdido em algum ponto da história humana. Essa perda pode ser classificada, na ausência de um melhor termo, de dimensão contemplativa. Contemplar o saber não significa uma atitude ingênua e reverente a qualquer impressão que chegue aos nossos sentidos. Tal atitude já foi ressignificada após o período pré-socrático no Ocidente. Nos referimos aqui ao propósito do conhecer. E notem, caros leitores, que propósito é diferente de utilidade.
É uma questão de amplitude. O estabelecimento da sociedade liberal-burguesa criou, no mínimo, um sistema dual na educação como fenômeno social. De um lado, a pulverização das escolas públicas atendia a demanda de afirmação dos estados como construtores de nações e, ao mesmo tempo, atendiam a uma crescente demanda da qualificação para o trabalho e, posteriormente, a sua especialização conforme os avanços das fases da Revolução Industrial se faziam sentir. Dito de um modo mais simples, foi criado um sistema de ensino de massa que mesclou elementos do método produtivo fabril com toques disciplinares típicos das casernas. Nesse sentido que atravessou o tempo e sofreu algumas metamorfoses necessárias, mantêm-se a essência da educação prática, pragmática, voltada para a formação de quadros para o mercado de trabalho.
Assim, tanto a educação tomada como uma fase de socialização quanto os fazeres escolares passaram a se estruturar de modo utilitário, cujas etapas se tornam marcadores de níveis que igualmente se encerram em si mesmos. Ou seja, cria-se um ciclo perpétuo de funcionalidade que mira no trabalho, mas que no processo objetiva a apropriação mínima ou suficiente para que provas sejam respondidas, notas sejam alcançadas e a progressão das séries garantida. São objetivos em si. Obviamente há tentativas importantes de enxertar nessa engrenagem concepções como competências, habilidades e inteligências. Entretanto, o que temos na prática é a transformação dessas boas intenções em floreios discursivos que alimentam relatórios e registros intermináveis e igualmente dirigidos para justificar e manter a engrenagem funcional da educação.
Considerar a dimensão contemplativa implica uma mudança radical. Ela rompe com a visão funcionalista do ensino e passa a não mais questionar a “real utilidade” de se aprender um conteúdo A ou B. Se nossos ancestrais considerassem suficiente o domínio do fogo, da pedra lascada ou mesmo das formas rudimentares de subsistência dos caçadores e coletores (algo que, de fato, dava certo para a humanidade de então) certamente não estaríamos aqui estabelecendo essa conversa. Contemplar o conhecimento é assumir que todos possuem o direito de saber o que a humanidade produziu e que a auxiliou a se desenvolver como espécie. Por isso, essa dimensão oferece propósito. Ao invés de questionar a utilidade de uma fórmula química para o cotidiano imediato (para afagar a consciência de quem não a ensina) ou de um fato histórico do passado, valoriza-se esse saber como direito inerente à nossa condição humana.
Pensando desse modo, cada saber e o que é necessário para aprendê-lo vai elevar o cotidiano da escola a um patamar muito mais significativo. Vai permitir a polifonia das culturas, a experimentação e fruição dos sentidos, dos fazeres, dos saberes, não na visão tacanha e medíocre de “passar numa prova” ou conseguir depois de muito adestramento usar os devidos macetes para, novamente, responder aos enigmas das esfinges das bancas e processos de seleção. Quando contemplamos o saber, tudo isso já vem a reboque. Se torna consequência. Isso fará da educação algo mais precioso.