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Coluna

Quem governa é o centrão

02 junho 2023 - 15h26

O “centrão” é quem verdadeiramente governa o Brasil, e Arthur Lira é o seu chanceler. Essa afirmação não é exagerada. Afinal, as relações políticas são mais complexa do que supõe nossa vã filosofia. A relação com o “centrão” não é ideológica. A linguagem é a da barganha. As votações do interesse do governo têm um preço a ser pago, na forma de liberação de emendas parlamentares e distribuição de cargos em postos-chaves na estrutura do Executivo. Isso, obviamente, sem falar nos propinodutos, tudo em nome da “governabilidade”.

O governo Lula 3 teve diante de si, logo de início, um parlamento controlado por um centrão que até ontem estava na base do presidente anterior e candidato derrotado. Até aí não se trata basicamente de uma novidade na República. Mas, dessa vez, há algo diferente. A polarização se tornou um ingrediente explosivo, que encareceu ainda mais a relação. De início, Lula mediu com régua precisa as chances de controlar o Parlamento. Viu que, diferente dos seus governos anteriores, não havia como. O máximo que conseguiu indiretamente foi a “legalização” da esbórnia do governo anterior, o tal do “orçamento secreto”.

Sem saída, contorceu e retorceu ao extremo as suas bases partidárias para reeleger Lira e abrir uma larga porteira de acomodação em cargos dos representantes partidários que, supostamente, passariam para o lado governista. O que surpreende é que, inversamente do que se esperava, o “centrão” colocou o governo na coleira. Cada votação governista só é alcançada mediante compromissos à vista. E, para piorar, mesmo com tudo isso, o “centrão” passou a legislar conforme os interesses das bases que estruturaram o governo anterior. Resultado? Até o momento não se pode falar que o governo, de fato, governa do jeito que se propôs na campanha.

Provas disso são as recentes derrotas, como a que bloqueia as novas demarcações indígenas e potencialmente pode vir a questionar várias já realizadas (Marco Temporal), o esvaziamento e realocação de funções de ministérios para outros, ferindo quase mortalmente pastas como o Meio Ambiente, Diversidade e Povos Indígenas, entre outras. É o trator passando. Ou seja, o desenho representativo, inclusivo, sustentável e robusto que o novo governo esperava vai ficando cada vez mais limitado, até que nada reste senão tarefas burocráticas de pouca envergadura. É algo para se pensar.

O badalado “arcabouço fiscal” foi mais uma embrulhada. Proposta que se fantasia de responsabilidade, mas que não passa de servilismo. Agradando aos mesmos que erigiram e possibilitaram o existir do seu antecessor, pode ser que acreditem que terão reciprocidade e, quem sabe, até a unção para transformar o ministro da economia em sucessor. O resultado será um constante cenário de juros altos, investimentos limitadíssimos e gastos cortados, para sobrar cada vez mais para pagar o rentismo.

A continuar nessa toada, Lula acabará sendo apenas o garoto-propaganda de si mesmo, falando de um governo imaginário, que existe apenas na sua retórica.