É comum a preocupação dos familiares com a rotina de estudo das suas crianças e jovens. O debate sobre as horas que devem ser dedicadas aos estudos nessa fase da vida e do desenvolvimento ainda está em aberto e com opiniões heterogêneas. Há certas considerações que ajudam a filtrar essa dinâmica e isso diz muito sobre o tipo de escola que está ao alcance. Os partidários da educação integral, no fundo e talvez nem conscientes dessa herança de longa duração histórica, retomam uma antiga noção comum aos tempos antigos, como na Grécia, ou mesmo no Moderno com a educação pública laica e obrigatória, de que a formação deve estar a cargo de uma instância que transcende o núcleo primário, a família, que subordine essa mesma formação ao que considera desejável ou ideal sob o prisma do corpo, conduta e conhecimento. E isso poderia ser realizado de maneira radical, com a permanência contínua nesses espaços (dos quais os cada vez mais raros colégios internos certamente recapitulam esse entendimento), integral, quando se ocupa nesses espaços o tempo socialmente definido como relevante (ou obrigatório aos estudos) ou ainda parcial com o uso de apenas um turno de atividades.
Das três vertentes, a última é a mais difundida. Porém, ela não consegue contemplar totalmente as expectativas, realistas ou não, de formação. Sobretudo com relação a programação de estudos, entram em cena os deveres de casa, ou seja, o prolongamento do espaço original de convivência, o núcleo familiar, como extensão da escola. Esse pensamento pode parecer um tanto surpreendente, já que o que mais se difunde é o contrário, a escola como prolongamento do espaço familiar em função das demandas de cuidados primários que, para alguns, deveria caber à família. Se tomarmos esse fenômeno como a cara e a coroa da mesma moeda, já dá para termos a noção do tamanho do problema: duas instâncias que não se entendem, não se entrosam. No caso das tarefas educacionais domésticas o cenário é mais dramático. Muitas famílias não possuem as condições materiais e estruturais mínimas necessárias para a garantia do melhor aproveitamento dos estudos, ainda mais se considerarmos o cenário tecnológico contemporâneo. Assim como a assistência às crianças e jovens, pois muitos pais não dispõem de condições ou mesmo tempo para se dedicar a orientação dos estudos domésticos.
Esse cenário ajudou bastante a requentar a ideia de uma educação escolar integral como solução desejável. A escola, como instituição formativa, cuidaria de fornecer aos estudantes tudo o que seria socialmente considerado importante para o seu desenvolvimento, ou seja, a segurança alimentar, o acompanhamento da saúde, o estudo orientado, o acesso aos recursos físicos e tecnológicos e a oferta de atividades de cultura, esporte e lazer. Parece interessante? Certamente. E se tornou rentável. As escolas que se direcionam a uma camada muito restrita da população já costumam oferecer tudo isso, sob diferentes portfólios e com mensalidades altíssimas. Não há como ser ingênuo nesse contexto. Se esses são os atributos das escolas de mais alto preço, alto investimento e alta lucratividade, poderia haver pressão e lobby para que tudo isso não seja ofertado pelo maior, mais rico e mais poderoso investidor, o Estado? É controverso. Não creio que o argumento seja tão simplista assim. Já há inclusive experiências de cooperação e assistência entre as esferas públicas e privadas no setor.
Portanto, o Estado sofre mais dos próprios males intrínsecos a política que acolhe do que uma força externa proibitiva que teria “medo” da concorrência.
A pandemia do coronavírus, entretanto, aprofundou as discrepâncias e no setor público isso se tornou dramático. A questão é que esse cenário mostrou que a gestão pública do setor tem sido um problema maior e mais duradouro do que o próprio vírus.