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Coluna

Pensem nas criancinhas

28 abril 2023 - 06h10

Passada a onda de ameaças, a educação pública continua a conviver solitariamente com o massacre cotidiano perpetrado pelo terrorismo político dos seus governantes e dirigentes. Esse desprezo é materializado no completo descaso com as condições de trabalho. É facílimo encontrar escolas insalubres, com problemas estruturais sérios, insuportavelmente quentes e mal equipadas. Mais fácil ainda é encontrar os professores com direitos fundamentais desrespeitados, salários defasados e expostos às mais diferentes modalidades de assédio. Para encontrar governantes e gestores com esse perfil basta seguir o fio. Não o que vem das postagens descontextualizadas nas redes sociais, que desejam construir a falsa noção de que existe um “sucesso” nos trabalhos como se estes fossem conquistas da gestão e não dos enormes sacrifícios individuais dos trabalhadores da educação.

Uma olhadinha nos indicadores sérios desmonta rapidamente essa hipocrisia. É perceber como os governantes e gestores constroem essa relação de desprezo pelos profissionais da educação por meio de algumas estratégias bem articuladas. Em primeiro lugar, costumam dividir a categoria por meio de uma dissociação divulgada aos quatro ventos: concursados são vagabundos problemáticos que não gostam de trabalhar, versus contratados diligentes (que recebem muito menos e estão sempre na tábua de corte), fiéis e gratos aos seus empregadores. Essa ilusão, apesar de persistente, já não tem a mesma força. Em segundo, jogar a população contra os profissionais da educação em caso de greve. É o discurso surrado que fala “coitadas das criancinhas”, que estão sendo privadas de estudar nas maravilhosas escolas que as redes públicas oferecem em razão dos malvados grevistas. E como as greves impactam a rotina das famílias, não é difícil empurrá-las contra os profissionais. Em terceiro, usar a coação, o assédio moral, a ameaça de corte salarial, perseguição e a bagunça na vida funcional contra eles. Em quarto, sempre tirar o corpo fora, fazer pouco caso, não receber a categoria organizada, enfim, não dar a mínima para os direitos sociais ou para os necessários investimentos na educação.

Muitos admiram a educação até a página 2. Na 3, o encantamento acaba. Nessa página começa a narrativa da vida real. Sem a visão idealizada de um profissional da educação que trabalha em troca de amor e luz da página 1, a ilusão de que o precário que os governos oferecem, as meras migalhas, conseguem fazer boa escola na base de um esdrúxulo apelo motivacional, isso lá na página 2. Aqui o real desprezo aos profissionais da educação aflora. Vistos como os fracassados dentre as profissões liberais, sempre reclamando demais para quem tem trinta dias de férias e um recesso de quinze dias entre os semestres. Os doutrinadores, os empregados mal-humorados em quem recai a culpa do fracasso pedagógico.

De qual lado você, leitor ou leitora, está? Não existe lugar no muro (os políticos de ocasião já ocuparam todos). Você pode escrever uma nova página.