O cenário é bem conhecido pelos professores: a comunicação de que na turma de sua disciplina estarão alunos com deficiência ou transtornos, que exigirão o que se denomina na educação de “adaptação curricular” e avaliação diferenciada. Em outra parte desse mesmo cenário, o restante dos alunos considerados neurotípicos, cujo trabalho pedagógico é, ao contrário, balizado pelas imposições explícitas ou veladas da aplicação de um currículo “homogêneo”, avaliações padronizadas, e metodologias de ensino que, por mais salpicos de variação (seja por estratégias presenciais ou virtuais) que possam aparecer, não se afastam demais do núcleo central da tradicional tríade: conteúdos, notas e controle do comportamento.
O que é preciso dizer com todas as letras é que, nas redes públicas de ensino, a proposta educacional e o tipo de escola ofertada não atendem a nenhum dos dois cenários. Na verdade, todos nós, neurodiversos (típicos, atípicos e divergentes), temos necessidades e percursos próprios para alcançarmos a aprendizagem e desenvolvermos nossas capacidades cognitivas, afetivas, motoras e sociais. Porém, o que temos é um sistema público controlado por uma inflexível burocracia totalitária, rigidamente estruturado por um igualmente inflexível sistema de regimentos, regras, dispositivos e agentes preparados para tornar a escola um espaço avesso à inovação.
Dito de modo mais claro, a inclusão, as adaptações curriculares, as metodologias e avaliações diferenciadas são corpos estranhos dentro de um outro corpo projetado e rigidamente programado para massificar um ensino baseado no cumprimento de bases curriculares homogêneas, com avaliações tipificadas, com geração de notas capazes de ranquear ao invés de traduzir efetivo aprendizado. Ou seja, um professor em sala de aula está diante de duas propostas diametralmente opostas, e essa oposição, que não deveria existir, é causada pela própria natureza do sistema público.
A cobrança pelos gestores e seus burocratas por resultados para esses dois mundos na mesma sala de aula (que deveriam ser um só, na realidade) varia desde a imposição do que deve ser ensinado ou feito ao “faça qualquer coisa desde que haja evidências”. Tudo isso, obviamente, detalhado na expressão máxima da eficiência pedagógico-administrativa: o relatório! O papel capaz de adestrar profissionais para criar resultados ou, melhor ainda, a própria realidade que o sistema quer que exista. Mas nada de cobrar deles investimentos, materiais, condições, remuneração ou uma plataforma minimamente decente de qualificação ou até mesmo uma sala de aula decente e acolhedora. Você sempre vai ouvir que o ideal não existe, portanto, faça o que eu quero com aquilo que te ofereço. E ponto.
O que esse artigo conclui? Que falamos de inclusão porque o sistema público de ensino não é inclusivo. Para ninguém. Quando o for de verdade, teremos uma educação avançada e estruturada para fazer com que todos, nas suas necessidades, dificuldades, deficiências e ritmos, aprendam.