Com o retorno efetivo às aulas presenciais na rede pública, muitos colegas de profissão das mais variadas localidades têm relatado um cansaço extremo precoce tendo como uma das maiores causas o mau comportamento dos alunos. Olhando a superfície do problema, muitos poderiam considerar se tratar de uma questão de indisciplina. Portanto, seguindo a “lógica” do senso comum, bastaria “pegar mais pesado” até que os espíritos mais inquietos se enquadrassem nas normas do sistema. Apesar dos relatos conterem queixas de extrema falta de educação e violência, creio essa visão superficial esconde uma doença ainda mais grave e perversa.
Que a violência é uma companheira da escola pública, sabemos todos. Ela não é um oásis social e está inserida nas contradições e distúrbios dessa mesma sociedade. Não são poucos os alunos que transplantam para as salas de aula os usos e costumes de uma realidade onde a violência é o idioma nativo. Do mesmo modo, não são poucas as escolas que produzem um ambiente hostil, agressivo e muitas vezes abusivo na sua maneira de lidar com os jovens no dia a dia. É de pouca ajuda a visão quixotesca da educação e da escola, carregadas nas tintas do salvacionismo, que tudo tolera e a tudo se adapta, ainda que por uma questão de sobrevivência. Lembrando que para a maioria da classe política a escola como depósito já é o bastante (quanto mais abarrotada de alunos melhor!). Por isso oferecem uma educação qualquer em qualquer escola. Se os profissionais quiserem, que façam eles a diferença, por sua conta, custos e riscos.
O que consideramos mais grave é a indiferença. O próprio comportamento agitado, agressivo, com desprezo consciente da civilidade é fruto da completa indiferença ao espaço escolar. Não importa se há um docente tentando ensinar, mesmo às custas de um enorme desgaste físico e emocional para ser ao menos ouvido em sala. Os profissionais são postos na condição de invisíveis: tanto faz estarem ou não ali, os alunos continuarão com os fones de ouvido, continuarão implicando e gritando uns com os outros, fazendo as próprias condições. Pode parecer um grande exagero tudo isso. Mas não é. Ainda que não seja algo hegemônico e homogêneo, já está presente o suficiente. A indiferença, se tornar-se dominante, fará os alunos cada vez mais impermeáveis ao conhecimento. Simplesmente aprender não fará o menor sentido ou a menor diferença, basta que o corpo esteja lá (a mando de alguém). E isso, aos poucos, contamina.
Como sair desse embaraço? Muitos desses problemas poderiam ser evitados ou sanados se tivéssemos uma educação e uma escola de qualidade, com recursos variados, equipes de apoio completas, boa remuneração, qualificação (e não cursinhos “gratiluz”) e projetos pedagógicos sólidos, participativos, ancorados em gestões escolares igualmente dinâmicas. Temos que fazer a educação relevante. A escola precisa fazer sentido e ser reconhecida como espaço de convivência. E convivência, quando relevante, tem regras que todos se esforçam para respeitar. Pagar o mau comportamento na escola com mais agressividade em uma sociedade que bate recordes de audiência com o fazer sofrer (como o “jogo da discórdia” e as provas nos reality shows...) é muito mais próximo do sadismo que da solução.
*Paulo Cotias é professor de História.