Há uma beleza profunda nas descobertas da Física e uma das minhas preferidas diz muito sobre o tempo. Durante séculos acreditamos que o tempo é uma grandeza, que marcha implacavelmente do passado ao futuro, nos colocando sempre no presente para que possamos observar (ou ao menos projetar) essas duas outras direções possíveis.
Dizemos que gastamos tempo, que ele não volta, que podemos economizá-lo, estar à frente dele ou presos ao que passou. Falamos no tempo dos nossos avós, de tempos que não vivemos, mas temos a convicção de que nos encaixaríamos bem. Nos curvamos, mansos ou contrariados, ao tempo da produção, do tempo que nos é subtraído, tempo de lucro e dominação. Tempo escasso do descanso necessário, tempo que falta para nós e para os outros, hipotecado geralmente em função de uma expectativa de que ganharemos materialmente o bastante para um dia sobrar o tempo. Até que repentinamente ele acaba para nós. Pelo menos por aqui...
Mas, voltando à Física, existem teorias fascinantes. Einstein em sua Relatividade Geral nos afirma que a noção de passado-presente-futuro é uma ilusão teimosamente persistente. Ele é múltiplo ou contínuo. O tempo/espaço é relacional e só existe em função de algum outro referencial. Os teóricos da perspectiva do “Universo em Bloco” acrescentam que o passado-presente-futuro existe simultaneamente, apenas em dimensões diferentes. O mais perturbador é que, se avançarmos em direção às teorias quânticas, o que sabemos sobre o tempo perde completamente o sentido. E podemos tirar lições valiosas disso, para além das aplicações científicas e acadêmicas.
Existem muitos tempos vivendo em nós. O tempo dos nossos processos internos, das nossas células, moléculas, partículas. Tempo da nossa consciência e de um desejo absurdamente desesperador de projetá-la para fora dele, para a eternidade. Se é a alma que tange o eterno, eu não posso afirmar. Mas se nossas mais ínfimas partes já flertam com ela, por que estaríamos de fora? O importante é saber que, em relação à vida que conhecemos, há um tempo que acaba. Por isso é tão importante saber com quais relações desejamos mediar nosso tempo. Para quem devemos dedicá-lo ou não. Para as coisas que o merecem, muito ou pouco.
Quem talvez melhor pensou toda essa embrulhada teórica e existencial foi Mario Quintana:
“A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é Natal… Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado…
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas… Seguraria o amor que está à minha frente e diria que eu o amo…
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.”
Os poetas, assim como os físicos, têm muito a nos ensinar.
(*) Paulo Cotias é professor de História.