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Coluna

O arco democrático

25 outubro 2022 - 14h53

Imagine uma linha cujos pontos marquem a extrema-esquerda, a esquerda progressista, o centro, a direita conservadora e, por fim, a extrema-direita. Continuando o exercício, trace um arco entre os pontos da esquerda progressista e da direita conservadora. Parabéns, você acaba de conhecer o “arco democrático”. 

A democracia é um regime de governo que não opera bem nos extremos. Em ambos você não traça arcos e sim círculos de captura. Isso ocorre em função do modo como os extremos lidam com o poder, e isso ocorre de modo praticamente idêntico, uma vez que observamos nesse contexto a restrição às liberdades políticas e individuais, a censura, o estado policialesco e repressivo, governos autocráticos e sistemas políticos manipulados.

Paradoxalmente, para conquistar o poder em uma democracia, os extremos se posicionam contrários a ela. Questionam a validade de suas instituições ao ponto de desacreditá-las, restando que se moldem docilmente aos seus desejos. Isso é o que chamamos de aparelhamento, no qual o controle das instituições por aliados ou prepostos de determinado grupo político passam a operar não conforme a impessoalidade e universalidade da lei, mas ao sabor da impunidade seletiva.

Extremos não negociam. Porém, como são minoria, precisam capturar o ponto que está mais próximo, quebrando o arco democrático. Para isso, se valem do permanente estado de ameaça, no qual o outro não é o diferente, e sim o inimigo. Fazendo-se passar, como bons farsantes, por bastiões dos valores e crenças dos capturados, mostram uma disposição férrea na “conservação” desses referentes. Assim, propagam criações perversas como supostas e urgentes ameaças ao status social, à família, ao casamento, ao mercado, às religiões, ao consumo, entre tantos outros produtos derivados dessa lavra. 

E isso precisa ser constante. A “fake news” de hoje é posta em banho-maria até que a de amanhã seja servida quente. Isso ocorre porque os extremos não são capazes de resolver os problemas de uma população. Seus operadores são parasitas da coisa pública, incompetentes, acochambrados por meio de acordos de mútuo benefício. Não possuem qualidade, vontade e condições de governar. Muito menos moralidade para isso. Desdenham da vida, debocham da dor, negam a existência da fome, do clamor das necessidades. Hipotecam sem piedade o futuro do próprio povo, retirando dele as verbas para a saúde, para a educação, para o saneamento, moradia, transporte, alimentação, para a geração de emprego e colocando no lugar uma desvairada apologia ao simples assistencialismo, transformado em cala-boca.

Já no arco democrático o sistema prospera e opera em sua plenitude. Isso significa a impossibilidade da captura e a prevalência do mecanismo da negociação. No diálogo e nas composições, o viável se torna o produto, síntese do possível diante do negociado. O arco se beneficia da sua plasticidade e não poderia ser diferente. Nele não há oposições estritamente binárias. Segmentos da esquerda podem ser progressistas em determinados aspectos, mas também podem se aproximar bastante de outros típicos do conservadorismo e vice-versa. Onde as diferenças se tornam mais sensíveis, cristalizadas em núcleos duros, buscam-se as tratativas na zona periférica. 

O mais importante de tudo é que dentro do arco democrático ninguém fica excluído de representatividade. E há uma maior segurança do existir, uma vez que todos os lados do espectro assumem como princípio pétreo o respeito às instituições, à liberdade e aos ritos políticos. Por isso é essencial que o exercício do voto seja embasado no que pertence ao arco. O que está fora dele é a captura pelo medo e pela ignorância.