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Coluna

Gerir a Educação Pública

19 dezembro 2022 - 16h29

No processo de transição e montagem do novo governo que assumirá a República no próximo ano, a disputa de bastidores na área da educação se mostrou bastante emblemática. A questão dos nomes cotados para assumir a pasta mostra muito mais uma dicotomia crônica da educação brasileira do que as qualidades individuais dos postulantes. A dissonância entre a visão privatista e pública da educação remonta aos primórdios históricos. Contudo, aqui nos dedicaremos ao contemporâneo.

Na República, as disputas se tornaram mais agudas com defensores da exclusividade privada e pública, prevalecendo a tendência dualista herdada do Império. Porém, a partir de Vargas, a importância estratégica da educação como aparato ideológico do Estado deu uma forma mais acabada ao hibridismo, com o controle normativo centralizado nos órgãos públicos aos quais o setor privado deve se submeter, porém, mantendo sua liberdade de oferta. Com o desmantelamento das ideologias de controle e a entrada do país em uma nova fase de conformação às relações neoliberais de produção, a educação pública passou por um processo acentuado de precarização, ressignificada no papel de produtora de mão de obra elementar, cuja massificação não foi acompanhada dos investimentos apropriados. Desse modo, o que se concebe como “qualidade” e como investimento que garantirá o passaporte às melhores posições sociais passou a compor o universo propagandístico das instituições privadas. Essa dualidade reforça o que teóricos como Foucault e Bourdieu verificaram (cada qual com seu respectivo viés): os territórios e suas instituições, reproduzindo a situação social onde os indivíduos se inserem, estreitando perspectivas para uns, ampliando para outros.

Atualmente, há ressonância e status para as organizações privadas de apoio (como ONGs e fundações) que se colocam na posição de “pensadoras” da educação pública ideal. Sem demérito aos seus esforços, é preciso recuperar o protagonismo de pensar a educação pública por quem a vivencia, trabalha, pesquisa e se dedica a ela. Há que se olhar com desconfiança para os que se travestem de agentes públicos, defendendo que a melhoria da educação pública passa pela incorporação dos parâmetros e modelos de gestão privados. Isso é um grave equívoco. Apesar de compartilharem a mesma natureza formativa e possuírem cada qual sua relevância, possuem papéis sociais de escalas diferentes e se inserem de modo igualmente diferente no ethos social contemporâneo.

 A educação pública não foi feita para gerar lucro, não tem receita operacional líquida, ebitda, e também não pode ser atribuída a ela racionalidades como a lotação de salas, enxugamento de quadros e racionamento de estruturas e materiais, por exemplo. Ela cumpre função social e cidadã ampla e complexa, com assistência múltipla que passa pela saúde, alimentação, bem-estar, participação na cultura humana e preparação para o mundo do trabalho. A educação pública deve ser gerida dentro dos marcos da administração pública, com eficiência, eficácia, relevância, probidade e transparência. Mas com foco na sua razão de ser e da sua importância na construção de uma sociedade mais justa e de um povo mais desenvolvido. Ou seja, trata-se de investimento tido como dever de Estado. E os investimentos devem ser mensurados não pela régua econômica do mercado, mas pelos dividendos comprovadamente obtidos por profissionais da educação mais bem pagos e preparados, por unidades escolares equipadas e plenamente operacionais e por estudantes que ao longo da sua vida tem garantido o acesso às tecnologias, aos livros, às atividades culturais, às boas aulas, e a sistemas avaliativos justos, à inclusão espacial, à segurança ética, ao desenvolvimento físico e mental e, sobretudo, acesso a um futuro pela ampliação do seu horizonte de escolhas profissionais. Utopia? Não. Definitivamente, não.