Particularmente eu nunca conheci uma pessoa fofoqueira assumida. Em verdade, quanto mais fofoqueira uma pessoa é, mais ela se esforça por esconder sua compulsão pelo alheio: “Deus me livre! Odeio fofoca! Nem quero saber...” O fofoqueiro “raiz” diz ser apenas uma pessoa que fortuitamente está no lugar certo e na hora certa dos acontecimentos e, como não tem como neutralizar suas capacidades perceptivas, acaba vendo e ouvindo com bastante relutância os fatos da vida das outras pessoas. É claro que o fofoqueiro não pode mover-se, afastar-se, afinal, está ali na sua! No sacrossanto direito de participar como espectador involuntário, para depois apenas passar à posição (novamente muito relutantemente) de comentarista ou cronista de tudo o que presenciou. Há também os fofoqueiros secundários, os que também recebem informações (de outro fofoqueiro) e cuidam para que a cadeia de transmissão não cesse. É claro que também não consideram isso como fofoca, apenas circulação desinteressadas de acontecimentos relevantes. Quer que algo “viralize”? Conte para uma pessoa fofoqueira, diga que é conversa exclusiva e peça segredo absoluto. Pronto, é possível que seu “segredo” já esteja a caminho de Marte em uma das sondas da NASA.
É bem verdade que a fofoca é um mal histórico. Na segunda metade do século XVIII, o rei Luís XV de França era alvo da boataria de que se banharia em sangue de crianças, que à superstição da época acreditava que o macabro procedimento curaria a lepra. Antes dele, Luís XIV já instituíra a fofoca como o meio vital das relações cortesãs. As fofocas geralmente são destrutivas. Michelangelo seria assassino de gente, Brahms assassino de gatos. Hitler, além de profundamente míope, teria um só testículo. Mas as vezes elas trazem um toque estratégico: Mussolini ganhou a fama de ter transformado o sistema de transportes na Itália em um exemplo de eficiência e pontualidade. Ocorre que isso já vinha sendo feito bem antes das suas pretensões ao poder. Otto Von Bismarck usou e abusou da fofoca e da manipulação para provocar a Guerra Franco-Prussiana aproveitando-se da crise dinástica espanhola. Os Estados Unidos ganhariam um motivo a mais para entrar definitivamente na I Guerra Mundial após a divulgação do “Telegrama Zimmermann”, mostrando uma possível aliança alemã com o México.
Na história brasileira a fofoca é quase antiga quanto aos idos das caravelas. Denúncias e fofocas garantiriam a obtenção de títulos e mercês (nada como uma boa fofoca como prestação de serviço e demonstração de fidelidade!). Fofoqueiros também vestiam o manto da delação. Joaquim Silvério dos Reis entregou os inconfidentes das Minas Gerais. Tempos depois, o mesmo D. João VI, que tinha fama de pouco asseado e assustadiço com trovoadas, era também o que recebia cochichos e bilhetinhos nos rituais do beija-mão, hora perfeita para pedidos e para destilar o fel da maledicência interesseira. Dom Pedro II não escapava da boataria relacionada à sua relação com a Condessa de Barral (entre outras, já que o monarca era apenas mais comedido e discreto do que seu pai). O Estado Novo varguista foi obra forjada e materializada no Plano Cohen. O resto ficaria a cargo da fofoca sobre uma suposta (e mentirosa) ameaça de golpe comunista no Brasil.
Atualmente as fofocas ganharam um upgrade, atualizando-se às novas tecnologias da informação. A graça da fofoca era a revelação do oculto, do que não pode ser exposto. Ora, em um ambiente no qual as pessoas se expõem a todo o momento, o que comem, quando vão ao banheiro, o que pensam sobre seu trabalho, se estão de porre ou bebendo socialmente, se são religiosamente fiéis ou farisaicos, qual o espaço que sobrou para a arte da fofoca? Para preencher esse vácuo, proliferam as fake news e o assassinato de reputações. Daqui a pouco, fofocar vai exigir porte, ou quem sabe, diploma.
(*) Paulo Cotias é professor de História.