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Coluna

Eu prefiro a resistência

28 setembro 2023 - 11h53

De acordo com a física, a resiliência é uma propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. Assim como vários outros conceitos, a resiliência foi transposta para um sentido figurado, atribuído como uma condição positiva que todos nós temos que desenvolver no atribulado mundo contemporâneo:  a capacidade de nos adaptarmos às dificuldades, problemas, má sorte ou todos os tipos de desgraças e infelicidades e, resoluta e impavidamente, retornarmos à nossa integridade essencial. 

Todos nós desenvolvemos e ativamos nossas defesas orgânicas e psíquicas frente às adversidades. Ocorre que isso é um processo singular. Ou seja, não existe uma receita ou um padrão comportamental ou índice de carga emocional suportável estipulado como o desejável. Como diz a sabedoria popular, cada um é cada um. 

É importante não confundirmos a resiliência com a resistência. Se eu pudesse escolher ficar com uma delas, escolheria a segunda. Tomando novamente de empréstimo os conceitos físicos, a resistência tanto pode ser a capacidade de um material suportar esforços sem deformações, ou ainda, no caso da resistência elétrica, de se opor, de dificultar a passagem de uma corrente, gerando nesse processo energia térmica. 
Para explicar minha opção preciso recorrer ao sentido figurado, esse nosso saber do viver. Percebam bem a diferença. Na resiliência, somos submetidos a deformações em nossos sentimentos, em nossa saúde física e mental, no autocuidado, na autoimagem, nas condicionantes da sobrevivência, no emocional e temos que dar conta de encontrarmos uma maneira de aceitarmos, suportarmos e levarmos a vida nessas condições até que consigamos retornar à nossa forma original. Na resistência, ao contrário, o esforço é para que as deformações sejam evitadas, pois tudo tem limite. A resistência cria uma força de oposição, ou seja, de lucidez e do reconhecimento do que não deve ser tolerado e o que pode ser suportado. Na resistência, sabemos que existe um ponto de quebra, de ruptura. Resistimos e transformamos a carga que recebemos.

Por tudo isso, considero a resiliência um conceito cínico. Usado para que a responsabilidade de suportar o que é causado pela exploração no trabalho, pelas desigualdades de riqueza, pelas condições assimétricas de existência, pelo desamparo, pela sociedade do espetáculo, pelo desmoronamento da ética, da empatia e a solidariedade, das injustiças, recaiam exclusivamente no sujeito. A verdade que ninguém vai te contar é que não passamos pelos problemas da vida, os causados pelos outros, por nós ou pelo drama do nosso percurso enquanto espécie e voltamos para a nossa forma original. Nos damos conta disso quando a ilusão da resiliência se transforma em conformismo.

Termino pedindo a compreensão dos físicos pela tomada de empréstimos dos seus conceitos para iluminar as nossas comparações. Mas, se possível, vejam pelo lado bom, ao menos não falei que tudo isso são processos quânticos...