É comum que em algum momento da vida tenhamos sido incentivados ou advertidos com a frase “estude para ser alguém na vida”. O que é ser alguém? Creio que a imensa maioria das pessoas vai imediatamente direcionar sua resposta para o aspecto econômico: ser alguém é conseguir conquistar um emprego, ter uma profissão e conseguir inserir-se de algum modo no sistema produtivo. Ainda nesse âmbito do senso comum há implícito ou não a noção do como essa inserção determina que sejamos “mais ou menos alguém”, ou seja, se teremos recompensas financeiras e protagonismo social pelo ofício que realizamos. E para isso é necessário estudar. A equação é simples: quanto mais estudo, mais chance de ser alguém você tem.
Mas isso é uma meia-verdade.
Os dados estatísticos trazidos por centenas (e talvez milhares de amostras) já provaram que há uma relação direta entre a escolaridade e o acesso a determinadas profissões (o que é óbvio, devido à especialização) e, por conseguinte, pela ampliação da empregabilidade. Contudo, a palavra “empregabilidade” não é ato e sim potência. Significa que se amplia a possibilidade de inserção no sistema produtivo conforme os requisitos gerais (como ter concluído uma determinada etapa de escolaridade), específicos (o cumprimento de requisitos obrigatórios de credenciamento a uma profissão) e seletivos (ter experiências que se tornam diferenciais competitivos importantes). Mas, na prática, não é uma certeza e tampouco uma garantia. Infelizmente o marketing da indústria do ensino nos mais variados níveis (sobretudo no superior) fazem crer que essa relação é de causa e efeito, ou seja, estudar dá o que desejamos em ato contínuo. A desilusão de uma esmagadora quantidade de pessoas fala por si quando veem que, na prática a teoria é outra. Mas isso não invalida a premissa de que quanto maior a escolaridade, maior o arco de possibilidades, o que é fato.
O como escolarizamos (ao nível da oferta da educação formal) e construímos a cultura do estudo (o que é feito não apenas pela escola, mas por vários outros espaços sociais) está diretamente ligado às oportunidades econômicas. Mas não é só isso. Estudar é a porta de entrada para uma efetiva participação social e acesso à cultura, sobretudo a letrada. Negar isso a uma pessoa, ou tornar essa porta propositalmente estreita e seletiva pela desigualdade de condições, é negar tanto a cidadania quanto a humanidade. Até bem pouco tempo, na transição do século XIX para o XX a maior parte da população brasileira era analfabeta. Isso significa que findamos o Império e começamos a República sem que a noção de cidadania e a participação social ativa fosse possível para o contingente majoritário do povo. Somente com o varguismo a educação de um incipiente operariado urbano vai se mostrando como necessidade (além do aspecto ideológico do regime), iniciando uma tendência progressivamente ampliada de associar a educação de base com o emprego proletário.
Hoje continuamos com problemas crônicos. Se conseguimos praticamente universalizar o acesso ao Ensino Fundamental, sobretudo na rede pública, ainda temos muitas lacunas com relação aos predicados que esse nível de ensino tem que oferecer para fazer jus ao nome. Alfabetizamos, mas sem dar a capacidade que o letramento oferecer, por exemplo, a de usar todos os níveis e potências que a linguagem nos oferece. Sim, estudar vale a pena. A cultura do estudo é um direito humano fundamental. Mas ele só nos faz mais humanos, mais cidadãos e melhor preparados para o mundo do trabalho se houver condições adequadas. Qualquer coisa diferente disso é subtração, enganação e cristaliza a noção perversa na educação pública que, diante da precariedade, qualquer coisa é alguma coisa.