Com 264 votos a favor e 144 contrários, a proposta de regulamentação do Ensino Domiciliar foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (18). Após a análise dos destaques, o projeto seguirá para a apreciação do Senado. Na Câmara, a proposta foi colocada sob o regime de urgência, ou seja, não passou pelo crivo das comissões pertinentes, sobretudo as que estão relacionadas à educação e Constituição e Justiça. Politicamente, é uma pauta cara ao presidente, tendo sido uma das suas promessas de campanha.
A Educação Domiciliar não é um conceito novo, porém, mesmo nos países onde ela é permitida, como nos Estados Unidos, ainda há muita polêmica e discussões sobre a sua natureza, riscos e benefícios. Até que cumpra todos os trâmites e siga para a sanção do Executivo, por ora essa modalidade não é autorizada e pode enquadrar os pais sob legislação penal no crime de abandono intelectual.
Se observamos atentamente, essa não é uma pauta majoritária da população brasileira, sobretudo as massas populares que estão nos sistemas de ensino público. É um segmento bastante específico e nele estão dois interesses que se complementam: os dos pais que desejam que seus filhos não frequentem as escolas por diferentes razões, traçando um arco que vai dos que acreditam que com as condições econômicas e sociais que possuem são capazes de estruturar seus dependentes melhor e de modo mais adequado, aos que acreditam que os filhos devem ser isolados dos sistemas de ensino como forma de protegê-los de crenças ideológicas e práticas comportamentais.
No meio disso tudo, há outras tantas nuances que atendem a casos específicos nos quais se acredita ser melhor e mais conveniente a educação no ambiente doméstico. Portanto, não é um tema simples e fácil de analisar sob apenas um ponto de vista superficial.
O outro segmento bastante interessado nessa modalidade é o mercado das grandes corporações educacionais. O crescimento do Ensino a Distância no Brasil e a introdução de variadas experiências remotas e híbridas no âmbito da pandemia, ressignificaram um negócio que já se mostrava em franco crescimento, não desacompanhado de severos questionamentos sobre a mercantilização e a drástica queda qualitativa no processo de formação. Portanto, não é de hoje que existe o interesse e um lobby cada vez maior para a introdução de todas essas modalidades nas gigantescas redes da educação básica. Sob esse ponto de vista, a autorização do Ensino Domiciliar seria uma porta de entrada promissora. Isso porque um dos critérios de autorização da modalidade é a existência de instituições credenciadas nas quais esses alunos devem ser vinculados e que darão o suporte material-pedagógico (ancorados na Base Nacional Comum Curricular) intermediados pelo sistema de tutoria. No ambiente doméstico, os pais deverão comprovar que são portadores de diplomas de ensino superior e que não possuem anotações criminais.
Os especialistas na área da educação divergem, afirmando o papel protetivo da escola e pelo fato de que ela é um espaço múltiplo de aprendizagem, convivência com a alteridade e formação cidadã. Em suma, pela velha ótica sociológica, a família é um núcleo de socialização primária, e a escola, a secundária. Ambas são instâncias complementares e interligadas no processo de desenvolvimento físico, mental, intelectual e social das crianças e jovens. Na educação doméstica, vários desses aspectos ficariam comprometidos, de acordo com esse entendimento.
Enquanto a polêmica permanece, é bom lembramos que milhões de crianças e jovens estão nas escolas regulares. Devemos olhar atentamente para a educação doméstica, mas não mudar o foco do que é algo ainda muito localizado em detrimento daquilo que, de fato, é a realidade necessária: a educação pública escolar
(*) Paulo Cotias é professor de História.