A introdução da “Cultura Maker” nas escolas públicas é uma etapa importante em sua atualização frente às demandas do nosso século. É bom lembrar que essa vertente nasce de um profundo questionamento a respeito das consequências do modo de produção capitalista, mais especificamente no que tange a sustentabilidade. E isso não é novo. Desde meados do século XIX, quando as relações de produção já caminhavam de modo consistente para uma nova fase de massificação e intensificação do consumo, desponta na Inglaterra, berço pioneiro da Revolução Industrial, o movimento Arts & Crafts, que buscava soluções criativas e práticas para as demandas do cotidiano, fugindo um pouco da perspectiva industrialista.
É claro que temos que considerar o tempo dos fatos. Ainda naquele período a indústria dependia em boa parte da dimensão humana, de práticas especializadas que beiravam o domínio artesanal. Não é o caso da atualidade. No entanto, a perspectiva do “faça você mesmo” foi ganhando corpo ao longo do século passado como resposta básica a dois vieses, um ligado ao excesso e o outro à escassez. Ou seja, a cultura do consumo sob o aspecto material produz relações ambientais insustentáveis. A obsolescência programada, a superexploração de matérias-primas, o descarte inadequado e cada vez mais volumoso de resíduos, o supérfluo transformado em prioritário, tudo isso tem gerado problemas sérios cujos efeitos não podem ser escondidos nem pela maior das euforias de produção. Além disso, na dimensão simbólica, a associação perversa do consumo à pertença social ou pior, à significação da existência, gera relações sociais distorcidas e profundamente desumanizadoras onde a coisa tem mais valor do que a vida.
Já o outro lado dessa moeda é a escassez. É bem verdade que produzimos uma quantidade e variedade absurda de produtos que são facilitadores da vida. Assim como as descobertas transformadas em técnicas e tecnologias com potencial de salvar vidas, de melhorar as condições de moradia, trabalho e lazer. Só que o abismo entre quem tem acesso a tudo isso e quem não tem está crescendo assustadoramente. Basta ver como a concentração de renda está cada vez mais restrita a pequenos grupos e o número de empobrecidos com uma base piramidal cada vez mais dilatada.
Infelizmente, é no cenário da escassez que temos que dar o pontapé inicial da cultura maker na educação pública. Um bom começo é associar essa cultura ao conjunto das metodologias ativas de ensino. Isso significa uma escolha pedagógica em primeiro lugar. Romper com a educação tradicional, centrada na transmissão simples e na figura do professor como o alfa e o ômega do processo educacional. Essa dependência extrema da figura docente como a fornecedora ativa de saberes a um alunado passivo se encaixa perfeitamente no cenário de precariedade, onde bastariam apenas a voz, o livro e um quadro. Romper com esse cenário não é fácil e nem simples. É preciso qualificação constante, valorização e liberdade para que as escolas conduzam, de fato, aplicação efetiva dos saberes, competências e habilidades previstos na BNCC por meio de currículos conectados à comunidade educacional local. E, obviamente, infraestrura.
As metodologias ativas são excelentes portas de entrada para a cultura maker. E elas podem começar tanto pela feitura de projetos especiais como hortas escolares, aulas de robótica, laboratórios experimentais para as ciências humanas, oficinas literárias, entre outros. A importância das metodologias ativas como pontapé inicial garante que não sejam introduzidos apenas “modismos pedagógicos” e sim um ambiente onde o aluno é o sujeito das descobertas, agente de soluções de problemas e um aprendente pleno com o domínio do como produzir conhecimento confiável e compartilhável.
Nos vemos na próxima semana para continuarmos essa conversa.